Mara Narciso

Cabelo na música e na vida

Publicado em 15/07/2024 às 19:00.

Para quem já foi ofendida com palavras como “o que você quer, sua negrinha do cabelo duro”? deduz o perseverar disso, para além dos 355 anos de escravidão no Brasil (1535-1888). A edificação nada edificante do inconsciente coletivo se dá com letras de músicas como: “o teu cabelo não nega/ mulata/ porque és mulata na cor/ mas como a cor não pega/ mulata/ mulata eu quero o teu amor” - Lamartine Babo, Raul e João Valença, em 1932. Ou seja, caso a cor pegasse, nem para o “amor” aquela mulher serviria.

“Oh mulata assanhada/ que passa com graça/ fazendo pirraça/ fingindo inocente/ tirando o sossego da gente/ ai, meu Deus que bom seria/ se voltasse a escravidão/ eu comprava essa mulata/ e prendia no meu coração” – Ataulfo Alves, em 1956. Caso não bastasse a cultura do estupro de negras e índias, o incentivo também vem de músicas “ingênuas”.

Décadas depois, temos audições afirmativas dos cabelos, de que maneira sejam, em um país em que 55,5% da população de diz negra ou parda - senso de 2022. Em “Olhos coloridos”, a certa altura, Sandra de Sá diz: “Você ri da minha roupa/ Você ri do meu cabelo/ Você ri da minha pele/ Você ri do meu sorriso/ A verdade é que você/ Tem sangue crioulo/ Tem cabelo duro/ Sarará crioulo” – Macau, compositor negro, em 1974. Aqui a conotação é positiva, de orgulho e exaltação à negritude, termo criado em 1939 por Aimé Césaire.

Gal Costa, conhecida pela sua vistosa cabeleira, cantou “Cabelo”, que diz: Cabelo, cabeleira/ Cabeluda, descabelada/ Quem quer a força de Sansão/ Quem quer a juba de leão/ Cabelo pode ser cortado/ Cabelo pode ser comprido/ Cabelo pode ser trançado/ Cabelo pode ser tingido/Aparado ou escovado/ Descolorido, descabelado/ Cabelo pode ser bonito/ Cruzado, seco ou molhado//” – Arnaldo Antunes e Jorge Ben Jor, em 1990. Aqui acontece a celebração da liberdade de se expressar através dos cabelos, não um anexo, mas uma continuação da cabeça.

A tentativa de inclusão da diversidade brasileira, com representatividade em vários segmentos, pautas que tanto incomodam a extrema direita, aponta um interessante efeito colateral: a volta do uso do cabelo ao natural, ondulado, anelado, crespo, carapinha, de que forma for. O protagonismo exercido por mulheres negras e pardas nas novelas e telejornais, com seus cabelos ao natural, sendo os cachos elogiados e elevados à condição de uma quase coroa no topo da cabeça e tudo que isso representa, mulheres que alisavam seus cabelos por toda uma vida, estão fazendo a transição, abandonando os alisamentos químicos e pouco a pouco, como foram a exposição dos cabelos brancos na pandemia, uma quase febre, agora é a vez dos cabelos cacheados. A diferença na aparência é gritante, sendo preciso autoaceitação, uma coisa bonita de se ver.

Na adolescência os cabelos ficam mais grossos e anelados, para se afinarem e se alisarem naturalmente na maturidade, no caso dos mestiços. Que se consiga largar de vez o preconceito de que cabelo liso é superior ao cabelo não liso. 

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