Em uma cidade litorânea da Bahia, morava uma professora chamada Lindaura. Era bem preparada, dinâmica, de pulso forte, e lecionava no ensino fundamental. A Escola Municipal ficava pertinho da orla, e assim, mesmo atarefada, fazia uma caminhada logo cedo, olhando e filosofando a respeito da grandeza do mar. A brisa macia, que a aliviava e a maresia que a tudo enferrujava, davam o tom do seu dia a dia.
Era magra, bem disposta, cheia de energia e trabalhava em dois turnos: manhã e tarde. Tinha dois filhos, Paulo e Paula de 15 e 12 anos. Com pouca imaginação para nomes, queria uma vida melhor para a família. O casal, de 42 e 50 anos, tinha uma propriedade plantada com bananas e coco, e dezenas vacas de leite. Ficava a 40 km da moradia, e para dar lucro exigia a presença constante do dono. Raimundo ia e vinha todos os dias, mantendo os dois olhos em suas vacas, para engordá-las e lucrar. Colhia e vendia bananas e cocos na feira; o leite era tirado todos os dias e deixado à beira da estrada em latões, coletados pelo caminhão da Cooperativa.
Lindaura ficava na cidade com os filhos e os alunos e Raimundo na roça, com sua extravagância alimentar. Não ia ao médico, nem fazia exames, e criou birra ao saber estar bem acima do peso. A esposa se tratava há tempos de diabetes tipo 2, e se controlava de forma razoável com dieta e hipoglicemiantes orais, os que abaixam a glicose.
De súbito, Raimundo teve calazar e morreu. A renda vinda da fazenda era muito maior que do salário de professora. Era preciso segurar a rédea do ensino e ir à fazenda todos os dias. Mas como? Lindaura enxugou o choro, desdobrou-se em força e coragem e foi à luta. Logo adaptou-se à camionete, mas em seus controles médicos, cuja glicose antes mostrava-se dentro da normalidade, subiu de repente, sem causa e sem sintoma, passando de perto de cem para persistentes 400 mg/dl ou mais. Seu médico não entendeu por que nos controles subsequentes sua glicose mantinha-se alta, exigindo atestado, impossibilitando-a de ir lecionar, mesmo iniciando a insulina.
Viúva, afastada da escola, com atestados que se repetiam devido ao valor absurdo dos exames, estava animada e disposta no trabalho da fazenda e era vista passando pelas ruas da cidade, pilotando seu veículo, fazendo suas vendas, ocupando-se do trabalho árduo, de sol a sol.
Não se queixava de sede nem de urinar muito. Paradoxalmente, mantinha a glicose no topo sem desidratação, inclusive com saliva sempre fluida. Após ser enganado por algum tempo, o médico deduziu que ali havia uma fraude. E claro, veementemente negada. Entendeu que, na véspera do exame, Lindaura fazia uso exagerado de doce para subir a glicose e, feito o exame, voltava a se tratar para aguentar o repique da fazenda. A intenção era continuar recebendo da escola, porém sem prestar serviço, porque não queria abrir mão do salário certo. Confrontada pela dedução óbvia, tomou raiva do médico. Não tardou e pagou caro com uma complicação crônica devido aos aumentos extremos, ainda que temporários, da glicose. Teve piora da visão por lesões na retina.