Mara Narciso

A cada semana um carro

Publicado em 08/07/2024 às 20:47.

Rapaz namorador “troca de namorada como quem troca de roupa”, dizia-se, mas, quando éramos meninos de 13 e 12 anos, Helder e eu, em certo período, trocávamos de carro todo fim de semana. Pouco antes tivemos uma Vemaguet beje, que fora pintada de vinho, e nela passeamos por um bom tempo. Morávamos no centro de Montes Claros e Alcides Alves da Cruz, nosso pai, trabalhava como contador na Crevac - Companhia Regional de Máquinas, Veículos e Acessórios da Ford.

Sábado, um dia ensolarado e mágico, promete passeios, e teríamos uma surpresa por volta das 13 horas. Pai chegava no pequeno apartamento alugado, sacudindo as chaves de um carro estacionado na porta do prédio. Qual seria? Era época de veículos fortes, de lataria pesada para enfrentar estradas sem pavimentação. As ofertas da marca eram Jeep – de G e P, em Inglês, de General Porpose-, Rural, Picape e Corcel. Eram carros usados entregues na troca por um novo ou de maior valor, que ficariam parados por dois dias, sendo colocados para venda na segunda-feira. Diante daquele leque de possibilidades, modelos, tipos e cores, ficávamos na expectativa sobre qual carro teríamos para passear.

Éramos pobres, mas pai tinha lá os seus caprichos. Além de nos pagar escola particular, éramos sócios dos clubes e os frequentávamos semanalmente. Nossa mãe Milena e Carla, oito anos menos que eu, estavam sempre conosco. Pai levávamo-nos a restaurantes como Mangueirinha, Palhoça e Redondo, e de carro, o passeio chegava mais longe. Havia o costume de “passear no asfalto”, que era um pequeno pedaço da Avenida João XXXIII; dava-nos prazer sentir as rodas deslizarem por sobre a camada asfáltica lisinha, sem nenhuma trepidação no veículo, mesmo nos duros Jeeps de capota de aço. Houve um deles, de duas cores, sendo parte da pintura branca com uma faixa rosada discreta, que tinha estofamento nos bancos laterais.

As recordações dos carros emprestados pela empresa em atenção ao trabalho e dedicação do nosso austero pai trazem-me emoções. Era depois de 1967. Houve um sábado em que tivemos uma picape verde, difícil de subir na carroceria e com descabelamento ocasionado pelo vento. Passeamos em um Jeep Willys antigo, até para a época, de capota de lona precária e barulhenta, com um motorzinho de limpador de para-brisas do lado do motorista e outro de manejo manual do lado do carona, com bancos laterais de metal, sem cobertura, sendo elevações na altura dos pneus traseiros.

Íamos a clubes como Max-min, Lagoa da Barra e Pentáurea. Fazíamos pequenas viagens a Januária para visitar Tio Ismar, irmão de pai, e também à Bocaiuva para tomarmos sorvete Kibon, porque aqui não tinha. Ficávamos loucos pelo Eski-bon - barra de sorvete de baunilha coberta por uma casquinha de chocolate e Chica-bon – picolé cremoso de chocolate maltado, ambos deliciosos e irresistíveis. Alcides nos comprava um tijolo de sorvete Kibon Napolitano com três sabores: chocolate, nata e morango.

Não sentíamos calor, ventania, barulho, nenhum desconforto, porque a infância nos traz lembranças em formato perfeito.

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