Gosto muito de escrever memórias e crônicas. Às vezes me preocupava por escrever de maneira simples, sem palavras rebuscadas e difíceis, pois escrevo com o coração, da maneira que falo, até que sempre encontrava alguém na rua ou em algum lugar que me dizia: “- Gostei muito da sua crônica. Pareceu-me que estava falando com você!” E isso alegrava o meu dia. Falar com as pessoas, através da escrita, era o que eu queria.
Domício Proença Filho, prefaciando um livro de Rubem Braga, dizia: “A crônica resiste às camisas de força dos modelos preestabelecidos. Prende-se à dinâmica do tempo, como a própria designação indica: ‘cronos’ é em grego o nome do deus do tempo. Ligada a fatos reais, situa-se na fronteira entre o literário e o não literário...” ou um texto de Carlos Drumond de Andrade, que diz: “A crônica de que estou falando é aquela que não precisa entender de nada ao falar de tudo...”
Estava refletindo sobre minha forma simples de escrever, quando deparo-me com textos de Adélia Prado, que acaba de receber o prêmio Camões de Literatura, tão simples e tão reais:
“Há mulheres que dizem: Meu marido, se quiser pescar, pesque, mas que limpe os peixes. Eu não. A qualquer hora da noite me levanto, ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar, É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha, de vez em quando os cotovelos se esbarram, ela fala coisas como:’este foi difícil, prateou no ar dando rabanadas’ e faz o gesto com a mão. O silêncio de quando nos vimos a primeira vez atravessa a cozinha como um rio profundo. Por fim, os peixes na travessa, vamos dormir. Coisas prateadas espocam: somos noivo e noiva.” (No livro A terra de Santa Cruz, 2006)
E em outro: “Quando nasci, um anjo esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou: ‘Vai carregar bandeira’, cargo muito pesado para mulher, esta espécie ainda envergonhada. Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir. Não sou tão feia que não posso casar... vai ser coxo na vida é maldição pra homem; Mulher é desdobrável. Eu sou.” (Bagagens, 1993)
Como Adélia Prado, que visitei em Divinópolis, em companhia do meu esposo, também sou desdobrável. A linguagem dela é simples e cativante. Fico feliz de estar no caminho certo.