Alexandre FonsecaJornalista, mestre em literatura e doutorando em literatura

Travessias solitárias

Publicado em 31/01/2025 às 23:00.

Decidir se afastar de alguém que se gosta é como dar um soco no próprio estômago: dói no instante do impacto e continua doendo depois, em ondas lentas que não se dissipam. Mas, às vezes, o afeto precisa desse tipo de dor.

Conheci um pugilista. Não um desses dos ringues, com luvas e público gritando em volta, mas alguém que lutava contra si mesmo. Durante um mês, vivi como seu espectador. Quando começamos a gostar de alguém, mesmo que por distração ou acaso, nasce uma vontade de proteger. Mas proteger demais pode roubar o aprendizado, como uma mãe que impede o filho de cair para não vê-lo chorar, esquecendo que as quedas ensinam. Certa vez, disse a ele que o enxergava como alguém que precisava de colo — talvez porque eu também precisasse. Mas como oferecer abrigo quando a tempestade também mora dentro de você?

Foi por isso que decidi me afastar. Não como um abandono, mas como quem abre a porta do ringue para que o lutador tenha mais espaço para lutar. Ele precisa se reencontrar, e eu preciso não ser o tipo de pessoa que tenta atravessar as travessias alheias. Algumas jornadas são inevitavelmente solitárias.

Claro que a despedida não veio sem um nó na garganta. Afinal, foram semanas cheias de encontros que carregavam o sabor doce de um improviso bem feito. Ainda guardo na memória os suspiros trocados, os olhares de surpresa, os silêncios que não pesavam. Foi bonito, mas também é bonito saber a hora de sair de cena, mesmo que temporariamente.

A ele, deixei um “quase bilhete” — talvez mais para mim mesmo do que para ele. Pedi que não me odiasse, que entendesse. Disse que ele merecia viver aventuras que o ensinassem sobre prazer, porque o prazer é um caminho legítimo de autoconhecimento. Falei também sobre a minha própria necessidade de explorar novos caminhos, de mergulhar em águas que, sozinho, talvez eu consiga desbravar melhor.

Espero que ele entenda. Espero que, quando nossos caminhos se cruzarem novamente — e espero que cruzem —, haja espaço para recomeçarmos, quem sabe de outro jeito, em outra frequência. Por ora, deixo aqui apenas a certeza de que o afeto não vai embora. Ele apenas muda de forma, de ritmo, de lugar. E assim, no silêncio do ringue vazio, torço para que ambos aprendamos o que precisamos aprender.

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