Semana difícil: termômetros registrando recordes de temperatura, sensação térmica desastrosa, noites de insônia monstruosas e a notícia do falecimento do meu tio-avô, Nego. Seu nome, na verdade, era Quirino Leite Fonseca, que, conforme o Guia de Nomes da ‘Crescer’, deriva do latim ‘quiris’, significando lança. Além disso, era o nome de uma divindade dos sabinos, tribo da região central da península italiana (século IX a.C.). É engraçado que me vem à cabeça que talvez eu nunca tenha pronunciado seu nome verdadeiro, porque para mim, o senhor sempre foi Nego de Sérgia.
Lembro-me do senhor comprando caixinhas de leite, pois era o que Lucas, meu primo, mais gostava de beber quando criança. E o senhor também comprava uns biscoitinhos de coco que derretiam na boca, mas não antes de esfarelar pelo colo. Lembro dos doces, das balas, dos bombons, dos quitutes que o senhor comprava para alegrar seus sobrinhos-netos, visto que seus ‘sobrinhos oficiais’ já estavam todos crescidos.
Apesar da nossa distância nos últimos anos, talvez por uma vergonha íntima pela desavença entre o senhor e meu pai, era sempre bom vê-lo com o cabelo pintado de um preto pretíssimo, negro como a noite mais escura. Vaidoso, eu te entendo. Também sou. Tenho pavor de desleixo, apesar de ser um preguiçoso convicto. Provavelmente, se eu tivesse cabelo, também pintaria, Tio Nego.
Tenho renovado minhas crenças pessoais, mas rezo para que o senhor encontre descanso neste outro lado do caminho. Parafraseando Santo Agostinho, a morte não é nada, é apenas uma passagem para o outro lado da estrada. Você continuará sendo você, mesmo que de longe.
P.S.: Gostaria muito que você e papai tivessem feito as pazes, porque odeio guerras desnecessárias. Que o tempo leve todo o ódio e deixe apenas o afeto da lembrança