Se eu soubesse que aquele nosso encontro “quase” poderia ter sido o último, teria insistido para você improvisar algumas notas do teclado e tocar “Have You Ever Really Loved a Woman?” - e não “Heaven” do Bryan Adams - , enquanto eu estava de cueca sentado no chão do seu apartamento. Na verdade, não gosto de Bryan Adams, mas essa primeira música faz parte da trilha sonora de um filme que gosto muito: Don Juan DeMarco (1994). Com o Johnny Depp e o Marlon Brando. Nele, Depp interpreta um jovem lunático que faz seu médico, Brando, se questionar sobre o que é verdade ou mentira em uma história de paixão e desvario.
Se eu soubesse que aquele nosso encontro quase poderia ter sido o nosso último, teria dito a você que, quando reparei no seu cabelo negro com fios brancos enquanto eu repousava minha cabeça pesada e confusa nos seus ombros, me lembrei do poema de Elizabeth Bishop: “O banho de xampu”, que diz em sua última estrofe: “No teu cabelo negro brilham estrelas/ cadentes, arredias./ Para onde irão elas/ tão cedo, resolutas?/ - Vem, deixa eu lavá-lo, aqui nesta bacia/ amassada e brilhante como a lua”.
Não que eu lavaria seu cabelo em uma bacia, porque isso seria um outro tipo de gostar. E, desse, ainda não o tenho.
Se eu soubesse que aquele nosso encontro quase poderia ter sido o último, não teria andado até seu condomínio com uma sacola de pãezinhos de queijo e um pedaço açucarado de bolo de banana. Teria chamado um táxi e ido mais depressa para aproveitar a tarde que caía, gorda e pesada, sobre os telhados da vizinhança. Provavelmente, não teria levado pãezinhos ou pedaços de bolo. Só teria me levado, sem açúcar, mas com afeto.
Se eu soubesse que aquele nosso encontro quase poderia ter sido o último, teria ouvido, a tarde inteira, a história de amor do meu entrevistado. Ele me disse que sempre conheceu a esposa dele, porque ela nasceu na casa dos seus pais. Sempre se conheceram, desde o primeiro fôlego de sua amada na terra. E isso me fez pensar que Deus gosta muito mais das pessoas apaixonadas do que as que rezam.
E não, não se preocupe. Não estou apaixonado por você. Mas essa crônica é sua, enfeitada de laço de festa, cor de carmim.