Terminei de ler o livro de ontem e me lembrei de você. Lembrei da visão do teu rosto de menino meigo, com aquele nariz de pugilista, enquanto eu repousava minha cabeça na tua barriga branca. Acho que não há jeito melhor de falar de tristeza do que pelos caminhos da poesia. Ontem, ao te observar, lembrei da anedota do palhaço Pagliacci — aquele que nos faz pensar: “Afinal, quem faz rir o palhaço?”.
Te vi com uma raiva travestida de tristeza, e isso é profundamente tocante. Meu bem, aproveite esse momento para colocar a casa em ordem. A raiva, por mais que digam o contrário, é um sentimento potente de mudança. Mas não a carregue por muito tempo, porque ela envelhece e faz mal ao coração.
Outra coisa: ontem, com você, reaprendi que os incomodados é que se mudem. Então, por que você deveria desacreditar nas suas crenças amorosas por causa dos outros? Não. Não faça isso. Eu segui por esse caminho e até hoje não consigo voltar atrás. Não é justo que pessoas como você sofram por causa da incoerência alheia.
Sinta o que tem que sentir e, quando estiver pronto, reorganize-se. Porque, meu bem, a boa nova sempre entra pela janela, de surpresa.
Acabei de ler que a felicidade é um caminho possível e que o amor é um direito de todos. Acredito de coração que este ano será melhor, porque você estreou meus lábios de fera amargurada.
***
Crio uns medos bobos de coisas tão simples e fáceis. Digo para mim mesmo: vai. Mas eu não vou. Invento uma situação amedrontadora e fujo daquilo que é simples, fácil, quase banal. Transformo o coelho em leão e me escondo de mim mesmo. E não há buraco nenhum para cair, nem um cresce-encolhe eterno para me aprisionar.
Não caí. Não sonhei. Não morri.
Mas perdi um monte de coisas que não queria ter perdido.
E minha jornada nessa procissão continua, até que eu possa ouvir alguém cantar e pensar: puxa, quero cantar isso também.
Deixarei de ser isso para me tornar este. Não terei mais medo de nada. Nada mesmo. Nem de moscas. Nem de dragões.
Serei meu próprio medo.
Um medo que poderei combater.