Sinceramente, não sei como ainda me dou o luxo de ser surpreendido nessa altura do campeonato; em pleno segundo semestre de 2023. Devo admitir que levei um tempo para assimilar de como Barbara Millicent Roberts, ou apenas Barbie, passou de boneca frágil, estereotipada, de vestidos brilhantes de princesa e cantante da Sessão da Tarde, para o novo objeto de ódio de uma turma que não convém citar o nome por aqui; porque já tem gente demais fazendo isso por mim em outros espaços. Essa mudança de percepção sobre a Barbie revela como os tempos mudaram e como as opiniões em relação a ícones culturais podem se transformar ao longo dos anos.
Quando anunciaram Greta Gerwig como diretora do filme da boneca mais famosa do mundo, logo pensei que não seria apenas um filme sobre a boneca mais famosa do mundo. Seria simplista demais pensar em um filme inofensivo para alguém que dirigiu obras como Adoráveis Mulheres (2019) e Lady Bird (2018). Logo quando apareceram as primeiras críticas e percebi o desconforto que uma BONECA, atenção, uma BONECA, causou em valores religiosos e políticos ‘conservadoristas’, algo de notável deveria existir ali. E, de fato, existe.
Ao abordar o maior modelo capitalista de controle e repreensão feminina, responsável por estabelecer por anos um padrão inalcançável e exaustivo de beleza, sinto que uma estrutura importante foi finalmente alcançada e reconsiderada. No entanto, não podemos ser totalmente inocentes em acreditar que, de mãos beijadas, o capitalismo se rendeu as novas formas do pensar da contemporaneidade – aqui, convém a rápida reflexão de como o próprio capitalismo é capaz de criticar a si mesmo só para abocanhar uma fatia do mercado, representada pela galerinha da “lacração”. Sou contra o “lacrar pelo lacrar”, porque isso quase sempre resulta em produtos pedantes e rococós, que atrapalham as causas, mais do que ajudam.
Ao dirigir-se aos cinemas, é importante abandonar a expectativa de reencontrar a Barbie da sua infância, pois isso seria um equívoco. Na telona, uma nova boneca está emergindo, buscando redimir-se e redefinir sua imagem.