Alexandre FonsecaJornalista, mestre em literatura e doutorando em literatura

JP

Publicado em 11/08/2023 às 19:00.

Pode parecer que não, mas eu sentia a sua falta, pai. Desde muito novo, fui introduzido ao amargo gosto da saudade, mesmo sem entendê-la completamente como agora. Naqueles dias, quando eu era bem pequeno, não sabia distinguir quantos dias tinha uma semana, um mês e um ano. Não tinha noção alguma do tempo. Para mim, o senhor voltaria mais cedo de São Paulo para passar mais tempo conosco. Mas demorava demais e eu nunca entendia o porquê de tanto tempo. Mamãe me disse que uma vez eu senti febre por causa disso. Hoje, acredito que a saudade queima por dentro. 

Tenho uma memória que guardo com muito carinho, mesmo não conseguindo averiguar sua veracidade: havia uma fogueira perto de casa, e algumas pessoas ao redor dela, inclusive eu, bem pequenino. De repente, alguém me disse: “Alexandre, olha quem está vindo lá de cima!” Era o senhor. Jovem e barbudo, com um rosto semelhante ao que tenho agora.

Tudo era mágico quando você regressava da construção civil de São Paulo. Afinal, eu tinha um pai, como todas as crianças da rua. Haviam barras de chocolate, iogurtes, brinquedos, frutas, um caminhãozinho de madeira, videogames e sua presença. Com o tempo, você foi voltando e eu te estranhando. Afinal, quem era esse homem? Sei que sua vida não foi fácil. Uma família desmantelada tão cedo e o senhor como irmão mais velho, incapaz de segurar tudo aquilo. Nunca fui um filho fácil – sei da minha personalidade azeda, questionadora, curiosa e atrevida. E também sei que a sua não fica nem um pouco para trás. 

Lembra quando o senhor comparava minha irmã e eu à polidez servil dos meus outros primos, seus sobrinhos? Nunca quis ser como eles, e não é pessoal. Sempre quis ser eu mesmo, porque, já naqueles tempos, eu já era eu. E você não entendia, pai. Assim como não entendeu tantas outras coisas que estavam ali, suspensas no ar, como bolhas de sabão. Mas não te culpo por nada. Sei que o senhor é o pai que você consegue ser. E eu, o filho que consigo ser para este pai que, não sabendo falar palavras de amor, oferta nossos doces favoritos; espécie de adaptação dos signos amorosos. 

Hoje, posso dizer que te perdoo na medida em que também me perdoo. Um dia, chorarei todas as mágoas e nada mais restará delas. 

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