Às vezes, quando me lembro da sua existência rasteira, me pergunto: o que será que você, Homem Perfeito, enxerga no espelho ao acordar? Lava o rosto na esperança vã de uma ablução matinal? Depois, finge pressão baixa para não encarar os ditos inimigos? Afinal, Hércules para eles, mas para você, carneirinho dócil? Se ataca, monsieur, prepare-se para o contra-ataque.
Faltam-me palavras para expressar o quão insuportável você é. Mas, deixe-me tentar: monótono, aborrecido, enfadonho, fastidioso, mecânico, sem graça, insosso, desinteressante, tedioso, opaco. E sigo: irritante, inconveniente, importuno, incômodo, amolante, azucrinante, pentelho, intrometido, atormentador, mexeriqueiro, prolixo. E, se ainda não basta: presunçoso, detestável, insociável, desagradável, arrogante e intragável.
Agora, me diga: se um dia você sumisse, o que exatamente faltaria ao mundo? Para você, monsieur, a grande questão não é “afinal, quem não gosta de mim?”, mas sim “afinal, quem gosta?”. Quem, com um resquício de sanidade, tolera sua existência sem sentir o tempo se arrastar como um castigo cósmico? Quem, com plena consciência, suporta sua presença sem ser consumido por um tédio tão profundo que a própria morte pareceria um alívio?
Seu reflexo no espelho não responde, pois até ele se entedia de te ver. Suas sombras não lhe fazem companhia, pois até elas buscam algo mais interessante para assombrar. O silêncio que te cerca não é de mistério, mas de puro e absoluto desinteresse. E a verdade é esta: se você evaporasse, o mundo não só seguiria em frente — ele talvez respirasse aliviado.
Nesta semana, eu até queria continuar falando de amor, mas, por um ato de salvação, é preciso, como o ladrão de uma represa, desaguar essa água podre que se acumula dentro da gente. Homem Perfeito existe? Claro que existe. E, na maioria das vezes, ele é aquele sujeitinho patético que cada um de nós já cruzou pelo caminho e que tem uma moral tão elástica quanto um babalu. Se você não conhece alguém assim, amigo leitor, talvez seja melhor dar uma olhada no espelho. Porque, se não o conhece, é bem provável que você seja exatamente ele.