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Sexta-Feira,22 de Novembro
Alexandre FonsecaJornalista, mestre em literatura e doutorando em literatura

Desculpas, Clarice

Publicado em 09/12/2022 às 23:35.

(Instituto Moreira Salles)

Houve um momento, depois do silêncio ecoante do término do meu mestrado, que passei a odiar Clarice, a Lispector. Acredito que isso seja perfeitamente normal, quando passamos a se debruçar sobre um autor e sua obra. Na verdade, quando passamos a esmiuçá-lo como objeto de pesquisa: ele se torna isso: objeto. Para mim, todo objeto é frio e impessoal. Nunca gostei disso. Gosto de objetos vivos. Gosto de objetos coloridos tal qual uma asa de borboleta que parece um vitral de igreja gótica. 

Mas, o ódio, que na verdade era apenas cansaço, passou. Como nuvem cinza que se dissipa para que o sol brilhe novamente. Houve, outra vez, o clarão de Clarice. Mas, um novo tipo de clarão, porque também não era mais o mesmo. Aliás, ninguém é o mesmo após ler Clarice. Algo muda. A gente olha para o coração da vida e a vida olha dentro do nosso coração também. Em Clarice, a gente percebe que o EXTRAORDINÁRIO se esconde (explosão) no ORDINÁRIO (fim da explosão). Podemos passar por um momento epifânico dentro do ônibus; segurando sacolas de compras do supermercado; ao deixar um ovo quebrar no chão da cozinha; ao sermos atingidos por uma folha que cai de uma árvore ou até mesmo indo tomar um copo d’água de madrugada. No cenário da vida, quando estamos, de fato, vivos, tudo se torna a hora.

O espaço doméstico também é indomesticável. Existe muita selva dentro da gente, porque a gente também é meio bicho, sempre bom lembrar. E Clarice nos lembra que viver pode não ser fácil, por vezes doloroso e arriscado, mas sempre possível. Viver é possível. E ser feliz também. Afinal, muitos de nós não vive, apenas caminha, come, respira e dorme. Sonha com objetos frios. 

Sabe, Clarice, lhe devo desculpas sinceras. Mas, sei que você já se vingou de mim ao fazer voar uma barata pela janela do meu quarto. Findo com aquele teu conselho que todos encontram ao buscá-la: “Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente”.

P.S.: Clarice Lispector encantou-se às vésperas de seu aniversário, no dia 9 de dezembro de 1977.

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