“A vida se transforma rapidamente. A vida muda num instante. Você se senta para jantar, e aquela vida que você conhecia acaba de repente”. Essas são as primeiras palavras redigidas pela escritora e jornalista norte-americana, Joan Didion, após perder seu marido de forma inesperada e repentina. Elas fazem parte do livro “O Ano do Pensamento Mágico” onde Didion narra sua vida após a passagem da indesejada morte.
Quando sua presença é indesejavelmente requerida, seja lá por quem ou o quê, a morte altera planos e modifica rotas. Ao seu toque, a vida passa por transformações e rememorações. Para os que ficam, apenas uma soleira instransponível do qual não podemos ver o que se passa por detrás da porta.
Durante a pandemia, a morte foi uma presença constante na vida de todos, unindo o mundo em uma espécie de laço infeliz e fúnebre. Se antes achávamos que éramos quase eternos, de repente, nos vimos frágeis e indefesos.
De um dia para o outro, o mundo que estávamos habituados a experimentar, mudou num instante. Ruas, praças e avenidas ficaram todas vazias. Tínhamos medo do ar, porque nele continha uma suposição da morte.
Nos noticiários, vimos centenas e centenas de pessoas serem enterradas sem um cortejo decente e humano. Sem velas, sem procissão, sem adeuses. Indesejada, a morte se apoderou de tudo que era fixo: destruindo todos os nortes, nos deixando com mais perguntas.
Para os que ficam, as memórias que a morte não pode se apoderar, pois ela também tem seus princípios e limites. Finalizo com um trecho de um poema do meu amigo Guilherme Souza, um poema feita para seu avô vítima da Covid:
“Agora, Vovô/ A masseira secou/ O andaime envergou/ A enxada dentada/ Nosso sorriso tirou. / E agora, quem vai subir/ Nosso andaime? / É ilusão? / Esperamos por isso? Estamos malucos? / É a hora? (...)/ E, agora, Tião/ A gente se põe a lamentar/ Por não ter tirado as pedras/ no caminho/ E nos espinhos esbarrar/ E é hora Tião/ Foi a hora, a bendita hora. /O riso na não vem/ Se vem não demora. /O dia esfriou! / Que história, Tião! / Tião, Seu Sebastião! / Queria pedir uma benção. / Queria pedir um abraço. / Acabou, Tião?”