Tenho sérios problemas com o descanso. Não que eu não goste dele, não é isso; gosto até demais. Meu problema é que eu não consigo usufruir dele como deveria. Desde criança, fui ensinado que a preguiça, um dos possíveis nomes para o descanso, é um dos piores pecados capitais que existe. Dormir até tarde? Um crime! Mesmo cansada, mamãe acordava (e ainda acorda) sempre cedinho para dar conta dos afazeres da vida. Lembro-me que os sábados, ao contrário de Deus, minha mãe não descansava. Arrumava tudo: tirava poeira dos móveis, lavava as flores de plástico dos vasos de gesso e de vidro casca-de-ovo, varria as folhas do quintal, retirava as ervas daninhas, fazia biscoitos e bolos, e, por fim, escovava meus pés e da minha irmã e ainda passava a pedra-pomes em nossos calcanhares ressecados. Nossos sábados eram dias de limpeza e cansaço; não de descanso.
Cresci com isso. Não que seja culpa da minha mãe, porque ela foi ensinada que não existe nada de muito proveitoso no descanso e que uma pessoa aprumada deve estar sempre apta. O que me leva a pergunta: por que a maioria de nós se sente culpada ao descansar? Até hoje, quando acordo mais tarde, mesmo aos fins de semana, e perco um “precioso tempo” que poderia ter sido “mais produtivo”, me sinto culpado. Culpado por não ter aproveitado meu ócio e ter feito dele algo mais criativo.
Demonizar o descanso perpassa por questões muito mais profundas e complexas; algo que não terei tempo de desenvolver aqui. Sobre a demonização do ócio, o sociólogo italiano, Domenico de Masi, responde: “Mas quem é que divulgou uma ideia assim tão negativa? A filosofia do ócio inculcada pela religião e a filosofia da eficiência inculcada pela indústria. Em coerência com a concepção católica (que nas igrejas luterana e calvinista é ainda mais severa), tanto a educação familiar como a escolar foram destinadas, quase que exclusivamente, à preparação do jovem para o trabalho. A severidade da disciplina, o ritmo dos compromissos e deveres de escola e o conteúdo dos programas buscam obter cidadãos muito mais preparados para as 80 mil horas de trabalho do que para as 400 mil horas de ausência de trabalho”.
Bebam água e descansem.