Alexandre FonsecaJornalista, mestre em literatura e doutorando em literatura

Cansados venceremos

Publicado em 08/10/2022 às 00:33.

Assim que soubemos os resultados das eleições de 2018, eu e Kennya, uma grande amiga, resolvemos unir nossas desolações e fazer a única coisa que estaria ao nosso alcance naquele momento: beber.

Estávamos incrédulos que o Brasil havia, finalmente, aberto a terrível caixa de Pandora. Entretanto, tal qual a história grega, entre tantas e tantas desgraças, havia uma coisa frágil e luzidia: a esperança. Naquele dia, depois que cada um de nós, brasileiros desolados, tentou repousar a cabeça sob o travesseiro, ela veio, pé ante pé, subiu todas as escadas possíveis, abriu todas as janelas, descortinou todas as cortinas e, oniricamente, sussurrou: cansados venceremos!

Cansados venceremos, porque não existe outra opção no momento. Eu queria que as coisas tivessem sido mais leves para mim, para Kennya e para todos os brasileiros que estão exauridos e que, mesmo assim, por natureza ou carma, ainda sonham com a tal esperança. Afinal, de que matéria é feita esse esperar? 

José Saramago escreveu que a esperança seria como o sal: não alimenta, mas dá gosto às coisas. Viver sem ela seria insosso, pois não vivemos de esperanças cotidianas? Quando o sol se põe, deixando um rastro de despedida no ar, não acreditamos que o próximo dia virá? O amanhã, meus amigos, é um ato de fé. E digo-lhes mais: tudo na terra é tocado por essa coisa.

Cansados venceremos, porque não foi assim que os hebreus conseguiram a profética liberdade? Após anos e anos de escravidão, sofrendo nas mãos da alta casta egípcia, não foi a esperança que deu a eles motivo genuíno de viver e não se abater? Não sou grande conhecedor da bíblia, mas tenho certeza de que foi a esperança, a mando de alguma entidade divina, que fez Moisés e seus irmãos fazerem o inacreditável –acreditar que a resolução tarda, mas não falha.

Sei também que são tempos difíceis para os sonhadores, como diria uma certa senhorita francesa. A verdade é que mesmo açoitada, baleada ou até mesmo decapitada, a esperança renasce, afinal: “Vão-se sonhos nas asas da Descrença/ Voltam sonhos nas asas da Esperança” (Augusto dos Anjos). Cansados venceremos, pois a esperança é nosso maná. Descansemos também, mas sem deixar de sonhar. 

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