Bem, você é mais um dos que não vingaram. Ou melhor, nem tivemos nada. Um embaraço do destino, um erro de tempo, um descuido qualquer. Minhas amigas, K. e C., disseram que você é complicado demais. E eu, carente demais. Demais. Tudo sempre demais. Ainda bem que não fomos nada. Você é dela. Ela é sua. E eu não posso, não devo, não quero me intrometer. Mas minha natureza pede isso: a intrusão, o caos, a vertigem. Há algo de selvagem em mim, algo inescrupuloso, algo à beira do precipício. Afinal, corações tontos não vão ao céu.
Jantar com você na quinta-feira. Comer arroz com pequi bom. Falar de política, perceber que você não entende nada de signos, nada de literatura, nada do que me atravessa. Mas, no fundo, pouco importa se Bento de Albuquerque Santiago era um maluco possessivo ou se Capitu foi uma mulher fatal – e leal. Aliás, as pessoas fatais são as mais fieis. Porque não precisam de nada além de si mesmas. Então, naquela noite, te beijar na pracinha, perto do coreto, passar a mão pelos seus cabelos de jogador de futebol dos anos 80, reparar na lerdeza da noite montes-clarense. A noite sempre demora a passar quando não se tem mais o que esperar dela.
Mas nós não podemos ser amigos. Porque eu não consigo. Desculpa pelas investidas. Pelo galanteio barato e sem pudor. Por ser exagerado, por não saber medir, por estragar tudo. Aliás, sou um péssimo amigo. E todos os meus amigos sabem o santo que não têm como amigo.
Quando você andar com ela, vou fingir que você não existe. Pelo simples prazer de ignorar. Pelo jogo, pela soberba, pelo desejo infantil de parecer indiferente quando, na verdade, cada passo de vocês dois vai latejar em mim como uma pontada silenciosa de inveja — não por ela, não por você, mas pela sensação de que o destino sempre me coloca para assistir, nunca para viver.
Minha raiva, agora, não é de você. É da vida. Da ironia das coisas, do desencontro. E, por favor, não me peça para estar onde vocês estiverem. É demais. É exigir maturidade de um egoísta. Desculpa. De verdade. Estraguei tudo. E talvez continue sendo. Porque não sei lidar com a ausência de possibilidades. Porque detesto finais, principalmente os que não escolhi.