Gosto de recomeços. Eles me atraem como quem olha o próprio reflexo e, por um instante, ousa perguntar: sou mesmo eu? E se sou, gosto do que vejo? Não — melhor — gosto do que sinto? A cada dia que nasce, parece haver a chance de se mirar no espelho e se redesenhar, traçar com o dedo uma linha invisível sobre a própria pele e perguntar: sou quem eu queria ser?
Na pressa insana dos dias, perdemos pedaços de nós, quase sem notar. A essência vai pingando, como gotas esquecidas que secam no chão duro. E desse chão, nada brota. Não há flores. Só o vazio de quem tenta vestir um rosto que não é seu. E quando fazemos isso — quando nos disfarçamos de algo que não nos pertence — é como cortar a própria pele. Uma dor bárbara, silenciosa, mas sanguinolenta.
E então, só nos resta recomeçar. Porque recomeços, talvez, sejam o único paraíso que nos permitimos tocar. Recomeçar é um ato de coragem. Um chamado para olhar dentro de si, fundo, onde ecoa aquela pergunta que ninguém ousa fazer: sou o que quero ser? Ou me tornei apenas o eco de vozes alheias, perdidas num emaranhado de raízes e flores selvagens?
Não é uma pergunta fácil. Conheço poucos — muito poucos — que se tornam, de fato, aquilo que sonharam ser. E não te julgo, amigo-leitor. Quem sou eu para isso, se nem eu sei se sou inteiro no que quero ser? Mas digo com alguma ternura: dá tempo. Sempre dá. Vamos nos vendo aos poucos, num espelho pequeno, um reflexo de cada vez, para não assustar. Até que, um dia, talvez tenhamos coragem de nos ver por inteiro e reconhecer o que estava ali o tempo todo.
Ser você mesmo — essa é, talvez, a maior bravura que podemos oferecer a nós. Então, neste ano que agora nasce, que possamos buscar juntos as flores perdidas pelo caminho. Eu te dou a mão. Porque sempre, sempre, sobra perfume em quem se permite ser generoso.
P.S.: Prometi a uma amiga que serei intenso, que viverei sem medo, e que só os amantes e os apaixonados poderão me julgar. O resto? Nem quero saber o que pensam.