Alexandre FonsecaJornalista, mestre em literatura e doutorando em literatura

A fruta da noite

Publicado em 14/10/2022 às 23:26.

Foi um beijo de amor, disso tenho certeza. Estavam sentados lado a lado, cerveja nos copos, mãos dadas, música no ar. Olhos nos olhos e toda aquela telepatia que somente os casais possuem. Não se dizem nada, mas sabem de tudo. Suas bocas servem apenas para uma única coisa: o beijo. Todo o resto é protocolo. Beijam-se, ora delicadamente, ora com brutalidade animal. Não sei se os outros casais do bar se beijavam como aquele, porque não tive interesse algum de desviar meus olhos daqueles amantes. 

Parece que a barba dele não a incomoda. Ele a roça delicadamente em seu rosto de mulher, maquiado, com batom e sombra. Olhos nos olhos, boca a boca, eles se entendem ali mesmo, mas sem vulgaridade. Uma sensual e suave dança de lábios que agrada a noite. Nem a fumaça dos cigarros incomoda aquele casal. De vez em quando, bebericam suas bebidas. Olham-se, trocam, agora, algumas palavras. Sorrisos soltos, logo se desprendem. Bocas que beijam, são as mesmas que sorriem. Não consigo ouvir sobre o que conversam, assim como também não sei quem são. 

Ela pode ser uma famosa engenheira e ele um escritor renomado. Ele pode ser também um singelo homem que realiza pequenos reparos em casas durante a semana. Mas, eles também podem ser um casal de ladrões que acabaram de roubar um grande banco e estão ali para tomar uma cerveja gelada e renovarem as promessas bandidas. 

Em nada importa quem são. De onde eles vieram ou para onde vão. Não sei e acho que não me importo. Mas, aquele beijo tão lindo e terno, pertence muito mais a mim do que a eles. É de quem passa. É de quem vê. É nosso. Sinto-o no ar. É como uma joia de vidro que enfeita, entretanto, não tem valor material. De todos os casais daquela noite, aquele era o meu favorito. Via-os de longe, da outra calçada, sentado com uma amiga. 

Gostaria que eles tivessem dito um ao outro:

- Aqui estamos, meu amor!

- Pois é, aqui estamos, minha amada.

- Beija-me, porque a vida é curta e a noite menor ainda!

Eles não me viam, nem sabiam que tinham espectadores. Não os via com o olhar do voyeur, mas com o olhar da contemplação, do lírico. Aquele beijo era a fruta da noite e toda fruta tem sua estação para ser colhida e saboreada.

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