Adilson Cardoso
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Com tanta desonestidade por aí às vezes me pergunto se sou honesto mesmo, ou sou um crápula igual a tantos. Estou me colocando em fase de teste a partir de agora. Se descobrir que sou um meliante, vou chamar meu amigo Rogério e pedir-lhe que me dê voz de prisão, e não quero advogados venais que trabalham para o crime em nome de juramentos materiais.
Vou apodrecer na cadeia se preciso for. Mandem-me para a solitária, juro que não fugirei, como fez Papillon. Quero apenas ser exemplo para este mundo marginal, robótico, com seres guiados pela falta de caráter, tais que se fazem novos a cada dia, renovando suas cruéis investidas, dominando assim todos os complexos da razão, aquela que é a lógica da vivência social.
Vejo as páginas de violência nos jornais e tenho pesadelos. Outra noite fui devorado por um animal que rastejava feito serpente mas tinha olhos humanos e dentes predadores. Acordei com arritmia cardíaca ouvindo os cães latir no ermo da noite.
Gostaria de ter o poder do entendimento para saber onde foi o erro do criador, que desembocou nesta desgraça universal. Queria imensamente vasculhar os papiros mais distantes da história e achar algum vestígio deste concerto para a destruição que ora se apresenta.
Adquiri a patologia de olhar os bebês com um certo temor. Mesmo amando com toda ternura me pego no futuro, questionando a transformação dessa linda criatura em um produto do meio, com armas e outras maldades expostas. Ao mesmo tempo sou fustigado pelas atrocidades as quais se submetem dentro dos próprios lares. Admito que às vezes é um erro, talvez um preconceito que infelizmente é patrocinado pelo medo.
Também viajo pelas noites observando o céu em busca de algum cometa, pois quem sabe numa carona eu iria a outra galáxia buscar simplesmente a fórmula perdida do amor entre as criaturas da terra, pois no infinito onde moram as estrelas repousam as coisas que desejamos?
Pode ser que a sensibilidade que fugiu daqui há tantos anos se encontre lá em plena linda juventude, procriando sua harmonia que vagueia no espaço, sonhando em voltar aqui quando os homens sentirem a necessidade em seu interior.
No monitoramento ao qual me sujeito por esses dias vou estar de olho no bom dia, no muito obrigado, no eu te amo, na flor que nasce na cerca do parque, no ninho do quero-quero lá no campo da pelada sabadeira. Pois são desses pequenos atos que se forma o ser responsável por toda a magia das coisas boas. Segundo o filósofo e metafísico francês Louis Lavelle, morto em 1951, o maior bem que podemos oferecer aos outros não é nossa riqueza material, mas levá-los a descobrir a deles.
Neste caso, o que existe de bom no cerne deste discípulo? Continuarei me observando.