João Caetano Canela
Terra molhada, bagres nos córregos empanturrados pelas enchentes, friagem, névoa açucarando o cocuruto da serra, olho d’água borbotando nos barrancos dos caminhos, lamaceiro por todo lugar, lodo barrando de veludo os pés dos muros e os troncos das frondosas mangueiras, capim anelando nos pastos, roupas mofando nos varais, rã coaxando no ladrão do lavatório, telhas marejando nos telhados, cães se enrodilhando nos cantos, friorentos, tiritantes, o focinho gelado escondido não vão das costelas – assim eram os nossos invernos, bons invernos de outrora. Lembro que na entrada da primavera, por volta dos dias 23, 24 de setembro, fatalmente tínhamos a “chuva de brotos”. Ainda não era oficialmente a estação chuvosa, ainda não, mas desde esta data já podíamos contar com boas pancadas d’ água, que ocorriam ao longo de todo o mês de outubro. Quanto ao inverno propriamente dito (inverno é como denominamos a nossa estação chuvosa), este chegava mesmo era a partir de novembro, quando o aguaceiro, aí sim, desabava para valer.
E era chuva copiosa que ia por novembro afora e entrava por dezembro adentro, e somente dava trégua nos primeiros l5, 20 dias de janeiro, quando então abria um sol que, embora inclemente, sempre era recebido com satisfação – pois vinha para o bem tanto do feijão que melava nas lavouras quanto dos seres humanos que não mais suportavam a umidade e o mofo. Passada essa quinzena de estiagem, lá vinha mais água. E tome chuva durante o restante de janeiro e os subseqüentes fevereiro e março. Será que essas chuvas não vão mais embora, meu Deus? – essa era a pergunta que nos fazíamos, ansiando por sol e por tempo seco. Até que finalmente, após a “enchente de São José”, dia 3l de março, com as vazantes inundadas e os rios abarrotados, o chamado “tempo das águas” se ia.
Assim eram os nossos invernos, bons invernos de outrora, bons invernos com chuvas regulares e abundantes. Nos dias atuais já não contamos com tais invernos e o nosso regime de chuvas se modificou profundamente. Já não temos chuvas satisfatórias no Norte de Minas, nem mesmo em anos em que o “El Nino” não esteja nos influenciando. As nossas chuvas, a olhos vistos, vão minguando, ano a ano vão se tornando mais escassas e irregulares, sendo que o nosso período chuvoso, dramaticamente reduzido, ora se encontra restrito aos meses de novembro e dezembro – quando em tempos passados compreendia os meses de outubro, novembro, dezembro, parte de janeiro, fevereiro e março.
Foram-se, pois, as nossas boas e fartas chuvas de outrora. Mas, diabos, o que terá acontecido, afinal? Por que as massas frias responsáveis pelas precipitações pluviométricas não chegam mais aqui, como chegavam antigamente? Eu me pergunto isso e fico a vigiar o céu, a procura de nuvens grossas que me prometam chuvas torrenciais. Coisa de um homem que, por força do velho hábito de procurar chuva no céu, se esquece dos boletins meteorológicos que os estudiosos do clima elaboram ea expedem através da TV.
Aos estudiosos do clima, portanto. E o que dizem eles? Bem, eles prevêem chuvas para o Norte de Minas, mas prevêem nesta medida: tantos milímetros para hoje, tantos milímetros para amanhã etc. Ora, esse negócio de milímetro de chuva não é lá coisa que a mim me convença, eu que sou de um tempo de chuvas fartas, abundantes, torrenciais, de rio cheio derramando na vazante, tempo em que chovia muito no Norte de Minas, muito mesmo, muito mesmo, não em milímetros, mas a cântaros.