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Sexta-Feira,27 de Dezembro

Chumbos da memória de Genival

Jornal O Norte
Publicado em 13/07/2010 às 09:56.Atualizado em 15/11/2021 às 06:32.

Alberto Sena


Jornalista



O montes-clarense Genival Tourinho, advogado, ex-deputado federal (PTB), político declaradamente de esquerda, aos 77 anos de idade, se dava ao direito de cochilar em paz no sofá da casa dele, no Bairro Cidade Jardim, em Belo Horizonte, em plena quinta-feira, às 14h30m.



Quando a campanhinha do interfone soou, ele se levantou, pôs o boné e se sentou com o rosto marcado pela cobertura do sofá. Disse: ‘hoje, nessa idade, trabalho pouco’.



Genival vai lançar, em breve, um livro de memórias. Promete revelações as mais incríveis, homem sobrevivente que é de uma época das mais difíceis do País, quando o Brasil viveu sob a ditadura militar.



- Você foi cassado na ditadura, Genival?



- Fui e não fui – ele respondeu.



Contou ter sido cassado pelo Supremo Tribunal Eleitoral, que modificou o Regimento Interno para acatar denúncia do general Walter Pires pedindo o seu enquadramento na Lei de Segurança Nacional, por ter denunciado a Operação Cristal.



O objetivo dos comandantes da Operação Cristal era praticar atentados terroristas e jogar a culpa nas esquerdas brasileiras, para deter o processo de abertura política ‘lenta, gradual e segura’ e o retorno dos militares aos quartéis.



O atentado frustrado do Riocentro, por exemplo – contou Genival –  só aconteceu no Rio de Janeiro porque as autoridades daqueles anos de chumbo não apuraram a denúncia dele contra a tal ‘Operação Cristal’.



- Ao invés de apurarem a minha denúncia, eles preferiram me processar. Eu acusei como sendo os comandantes da ‘Operação Cristal’, o chefe da IV Região Militar, de Minas Gerais, o general Coelho Neto; o general Newton Tavares (Caveirinha), do II Exército, de São Paulo; e Antônio Bandeira, do III Exército, do Rio Grande do Sul.



Naquela ocasião, alguém acusar frontalmente três oficiais generais de atentado a bomba e morte na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ‘era uma temeridade’. Membros do Supremo ao saberem da possibilidade de Genival ser absolvido, mudaram o ‘Regimento Interno’ e transformaram o julgamento dele, que seria aberto, em ‘julgamento secreto’.



Ele foi o único deputado federal julgado pelo Supremo, secretamente. Na ocasião, o também deputado Chico Pinto, baiano de Vitória da Conquista, processado e condenado pelo Supremo, teve todos os atos do processo públicos.



- O meu foi ‘fechado’ – contou.



Daí porque o relator que votou e o absolveu, Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto, dizer-lhe depois: ‘o julgamento secreto, que você mesmo definiu como sendo ‘segredo de polichinelo’, pois meia hora depois já se podia saber quem havia votado contra, se tivesse sido público ‘teriam votado em você para pousarem de democrata, mas como o seu julgamento foi secreto, votaram contra’.



Genival contou que não houve pena de exílio no período militar. Houve, sim, ‘pena de banimento’. Ninguém foi exilado, mas se auto-exilaram aqueles que se sentiam ameaçados e sem segurança para viver no País. De Minas, os que se auto-exilaram – ‘e eu dou razão porque se tivessem ficado seriam assassinados’ – um deles foi Darcy Ribeiro, por causa de ‘um tapa’ dado no rosto do general Nicolau Filho.



Genival narra tudo em detalhes no livro de memórias, a caminho do prelo. O ex-deputado faz revelações que ‘ninguém nunca fez’. No caso de Darcy, o general foi deblaterar o fato de ele ter mandado distribuir armas aos estudantes da Universidade de Brasília (UNB). E Darcy, no calor dos acontecimentos, além de lhe dar tapa ‘mandou o general a merda’.



Darcy fugiu do País num avião monomotor, com Waldir Pires. Ele só saiu de Brasília três dias depois de a cidade ser ocupada pelas tropas do 10º Batalhão de Polícia de Montes Claros, tendo à frente o coronel Georgino Jorge de Souza.



Depois, Georgino disse a Genival: ‘lamentei muito, a minha preocupação era com a possibilidade de ter de prender Darcy e você’.



O prefácio do livro de memórias de Genival está sendo escrito pelo jornalista Joel Silveira. No livro, ele conta, por exemplo, a história do rompimento de Jango e Brizola, ‘exatamente como aconteceu, ninguém nunca teve peito para contar isto’.



Segundo Genival, nos últimos momentos de Brizola com Jango houve o seguinte diálogo:



Brizola disse a Jango:



- Tu não és simplesmente um presidente ameaçado de ser deposto, Jango; tu foste ungindo, duas vezes, para presidente da República, chê! Tu derrotaste, inclusive, o teu antagonista na própria terra natal dele e tu foges agora?



 E Jango respondeu:



- Não adianta, Brizola, tu não sabes o que está acontecendo. Há uma esquadra norte-americana e boa parte dela já está em Santos e outras se aproximam do Espírito Santo. Eu não quero derramamento de sangue.



Brizola reagiu:



- Que derramamento de sangue, isto é problema que resolveremos entre nós mesmos.



Jango disse:



- Leonel, boa tarde! Eu já estou saindo. O piloto do avião está me esperando.



E Brizola, num assomo de raiva, falou:



- Tu não és nada do que falei. Tu és apenas um ‘rengo corno’.



Genival explicou: ‘rengo’, no jargão gaúcho, é ‘cocho’. Por causa desse diálogo, os dois nunca se reconciliaram. Jango morreu odiando Brizola. Brizola morreu detestando Jango.



Aguardem o livro de memórias de Genival. Vem chumbo, e do grosso.

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