*Cláudia Gabriel
Fui à concessionária só pra deixar meu carro para a revisão. Mas decidi tomar um cafezinho... Quando entrei, meus olhos, sempre curiosos, foram atraídos por um modelo que brilhava de tão novo. Azul marinho, muito mais discreto que o meu atual. Irresistível! E fui logo me imaginando lá dentro, vestida pra combinar com o tipo. Saltos altos, óculos clássicos, écharpes leves, roupas em tons contrastantes ou pastéis, nos dias em que eu quisesse passar despercebida.
A paixão à primeira vista traz muitas fantasias. E ali era o concreto que me levava a desejos bem mais abstratos. Abri a porta do motorista e fiquei tonta com o cheiro bom. Aquele perfume que faz a gente respirar fundo pra gravar na memória. Cheiro de carro novo, zerado. Cheiro de renovação. Tão sedutor que até já inventaram um spray que reproduz o aroma. Uma ilusão para o olfato.
E essa sensação me inspirou outras. Cheiro de boneca nova, de livro que acaba de chegar à prateleira da loja, de comida fresca. Alho e cebola refogados, um bolo de chocolate assando. Um pacote de café recém-aberto. E o cheirinho de caramelo que os bebês costumam ter? São, todos, perfumes que lembram que a gente pode ter uma nova chance. Por isso mesmo, tornam-se tão marcantes.
A possibilidade que pressupõe uma esperança. Quando eu vi o carro novo, imediatamente comecei a pensar que, no ano que vem, ele vai ser meu. Até lá, vou trabalhar bastante porque agora tenho um projeto. Algo em que apostar. Uma imagem pra sonhar. E, ao mesmo tempo em que meu plano pode parecer tão materialista, também é um estímulo. Não é a compra em si. É o sentimento que motiva o ato. O mesmo quando alguém decide se casar, ter um filho, mudar de emprego, abrir o próprio negócio, lançar um livro.
Planejar é sempre uma promessa. A oportunidade de enxergar lá na frente e de perceber que, até chegar à realização, você tem metas, prazos, etapas. E nada disso o aprisiona porque foi você que escolheu o que quer conquistar. Na hora da troca, vai dar aquela dorzinha da despedida. O meu carrinho vermelho, que foi só meu por 3 anos, que me acompanhou por aí, vai para as mãos de outra. Desprendimento é a palavra. Mas logo aparece um sentimento substituto: a alegria de sair com uma peça novinha, com cheiro de recomeço e sem os arranhões da vida.
