Damião Alves *
Dias frios e cinzentos. A cidade é um caos a céu aberto. Gente indo e voltando. Pessoas, carros, bicicletas. É a vida cotidiana das cidades e seus conglomerados. Esta é a visão de um garoto prestes a entrar na pré-adolescência. Visitando com espanto confuso a visão daquele pequeno-grande mundo, onde a voz dos mais fortes é predominante. Da janela do seu pequeno barraco, em um dos pontos mais altos do morro do Goela Seca, ele tenta, mas não consegue, entender o porquê de tanta evolução e revolução entre cidade e favela. Um dos motivos mais pensados e discutidos em todo o país na atualidade.
Sentado no velho sofá de napa listrado, em momento relâmpago o garoto se vira para a parede e olha o retrato do tio ainda bem jovem, de época em que ingressava no serviço militar. Na foto, o tio aparecia pensando e tinha na mão um revólver 38.
Nesse momento, o garoto se lembrou de uma época em que, quando ainda bem pequeno, o tio visitava sua mãe numa passagem rápida pelo morro. Ele lembrou ter visto o revólver na cintura do tio mas, para ele, aquilo era normal. Parecia apenas um brinquedo.
A cabeça curva-se no beiral do sofá. Os olhos pretos e grandes lacrimejam. Mil e um pensamentos vêm à sua mente. Sempre que se encontra com os amigos, seja no morro ou na escola, comenta sobre o tio que, para ele, era famoso, um herói da vida cotidiana das cidades e das regiões suburbanas. Como se chama?
Talvez tenha um nome igual a tantos outros sem vida digna, procurando inúmeras razões neste labirinto que de concreto. Só tem mesmo o céu e a terra. Talvez possa chamá-lo de Chacal ou Menino Lobo.
* Músico e escritor