Carta de um jornalista brilhante

Jornal O Norte
Publicado em 24/04/2009 às 09:29.Atualizado em 15/11/2021 às 06:57.

Felippe Prates



“Meu querido Felippe:



Escrevo-lhe estas mal traçadas linhas porque não suporto mais ver você, com os culhões roxos que Deus lhe deu, perder tempo em criticar o Senado e a Câmara.  Chegou a hora de alguém (no caso, eu) bradar lamentando como você e outros coleguinhas sejam tão esquemáticos, ingênuos e, devo dizê-lo, burros, ao reclamar pelos jornais e TV que os parlamentares têm verbas sem fim, dezenas de assessores, notas fiscais falsas, aviões para as amantes, roubalheiras com as empreiteiras e outras minúcias rotineiras.  Vocês ainda não entenderam que o mundo de um deputado ou senador é diferente do mundo humano?  Vocês nem imaginam o que é a mente de um deputado.



Acabo de receber, nesse sentido, carta assinada por alguns deputados.  Para não chocar este filho dileto do mestre Newton Prates, Ecista, inteligente como o pai, transcrevo alguns dos seus trechos, kafkianos, se não fossem sórdidos.



Confessam esses pulhas porra-loucas, impunemente, serem eles escolhidos entre os mais espertos, entre os mais rombudos e boçais.  “A estupidez nos fornece uma estranha forma de inteligência, uma rara esperteza para golpes sujos e sacos-puxados.  Nós somos fabricados entre angus, buchadas de bode e feijoadas do interior, em favores das prefeituras, em pequenos furtos municipais, em conluios perdidos nos grandes sertões.  Nós somos a covardia, a mentira, a ignorância.  Nós somos a escultura torta feita de palha e barro, de gorjetas, de sobras de campanha, de canjica de aniversário e água benta de batizados.



Para nós, caras pálidas, “interesse nacional”, não existe.



Querem o quê?  Que pensemos no interesse de “um grande Outro”, que não conhecemos?  Ora, poupem-nos, pois isso não existe dentro do Congresso, mas apenas na imaginação de um ou outro parlamentar intelectual que, estranho no ninho, aqui se sente como donzela em puteiro.  Estamos aqui para faturar, ganhar dinheiro, lucrar, se não, qual a vantagem da política?  Somos uma frente natural contra o progresso, pois defendemos, o atraso e a lentidão em todas as siglas, do DEM ao PT e, principalmente, no delicioso paraiso de pecados que é o PMDB, todos unidos contra o tal “interesse nacional”.



Nós possuímos um tempo diferente do vosso.  Sabemos que os brasileiros vivem angustiados, com sensação de urgência.  Problema deles: apressadinhos comem cru.  Este termo, “urgência”, quer nos transformar em servidores da sociedade civil.  Ela é que nos serve.



Que nos interessa a pressa nacional, quando o nosso conceito de tempo é outro?  É doce viver lentamente dentro dessas cúpulas redondas, não apenas para maracutaias tão “coisas nossas”, num vago sentimento de poesia brasileira.  O que interessa é saber se o nosso curralzinho está satisfeito conosco.  Temos o direito de viver o nosso mandato com mansidão, pastoreando os nossos eleitores, sentindo o ”frisson” dos termos novos, dos bigodes pintados, das amantes nos contracheques, das imunidades para humilhar garçons e policiais.



Será que vocês não entenderam ainda que nada nos dobrará?  Futuro, para nós, é mais “pudê”, mais grana no bolso, sempre.  Vocês não conhecem a ventura de chegar em casa, com os filhinhos vendo TV, com a grana quentinha no bolso, uma propina gorda de empreiteira.  Vocês não sabem como é bom.  Vocês são uns rancorosos, pois têm inveja de nossos privilégios e imunidades, têm inveja do nosso cinismo, de nossa invulnerabilidade.



Nós nos refazemos que nem rabo de lagartixa, se não vejam o Renan, líder do PMDB, vejam Collor, Roriz, Lobões, Maluf, todos regidos pelo eternizado timoneiro do atraso, o mofadíssimo Sarney.



O que vocês chamam de corrupção e imoralidade do Congresso nada mais é do que a fidelidade à originalidade brasileira ou a preservação generosa do imaginário nacional, visto haver em nós 400 anos de patrimonialismo.



Vocês nem imaginam a delícia de sermos chamados de “canalhas”, o prazer de se sentir superior a xingamentos (enquanto a cachorrada late...), à ridícula moralidade da classe média. Nossa única moralidade é nos vingarmos dos inimigos, cobrar lealdade dos corruptores ativos, exigir o pagamento das propinas em dia.



Cordialmente,



Fulano, Beltrano e Sicrano (Diretor Geral do Atraso, Diretor do Departamento do Baixo Clero e Diretor Geral dos Negócios Escusos)”



Felippinho, querido:  O que será de nós?  Aquele abraço do seu velho, Arnaldo Jabor.”

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