* Manoel Hygino
A questão da publicação de biografias ganhou novas dimensões quando atingiu o âmbito dos famosos na música popular. Enquanto se manteve no plano dos meios literários, não encontrou espaço na imprensa, de um modo geral. O escritor e advogado Edival Lourenço comentou a propósito a afirmação da filha mais velha de Guimarães Rosa, diante do livro do autor goiano Alaor Barbosa: “A única biógrafa do papai sou eu”. Edival contestou: “Quando se sabe que Guimarães Rosa não se pertence, nem pertence à família. É um homem do mundo, do panteão da Literatura universal”.
Põe-se a meditar sobre a situação, se se considerar que a Constituição de 1988 é suficientemente clara, no artigo 5º, inciso IX: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
Acontece que o Código Civil, de 2002, concebido por uma comissão liderada pelo jurista Miguel Reale, abriu uma compreensão equívoca e ditatorial da Carta-Magna. Permitiu assim, que Vilma Guimarães Rosa ingressasse em juízo, reclamando a retirada de circulação do livro “Sinfonia Minas Gerais: a Vida e a Literatura de João Guimarães Rosa”, já nas livrarias no final de 2007.
Foi uma longa luta na Justiça, prejudicando a imagem do escritor goiano e a circulação de seu livro. Alaor confessou: “Esta ação contra meu livro tem me trazido muito sofrimento moral e físico. Atingiu minha família toda: mulher, filhos, netas, irmãos, sobrinhos e todos os mais. Ninguém compreende o fato de meu livro – escrito com integral boa-fé e honestas intenções – ter colhido reações tão negativas da parte de pessoas que deviam recebê-lo com simpatia, agrado, amizade, gratidão. Na cultura da comunidade em que nasci e me criei, a gente aprende que amigo do meu pai amigo meu é. Esta uma das razões de nossa perplexidade e estupefação”.
Observa-se que, com o apelo à Justiça para casos semelhantes, estabelece-se a censura judicial, apesar de a censura propriamente dita ser proibida pela Carta Magna. José Reinaldo Marques lembra Ruy Castro, com biografia contida no livro “Estrela Solitária – um brasileiro chamado Garrincha”, contestada pelas filhas do jogador. No entanto, tudo terminou como se esperava: o livro voltou a ser vendido, mas deixou um rastro de desânimo e desestímulo entre os que pretendem atuar na mesma seara.
O juiz de direito, como diz Cláudio Willer, se transformou em crítico literário, com dupla usurpação: do direito de leitura e ao julgamento do público.
