Vocês conhecem bem, é claro, aqueles cãezinhos chatos, minúsculos, metidos a valente que ficam latindo pra gente e mordendo as barras das calças dos homens e das saias das mulheres. Como são barulhentos! Babam e expõem aqueles minúsculos dentes afiados, parecendo querer nos engolir. São de várias raças, mas há uma delas em que o cão é marromzinho, com os pelos quase colados à pele. Um colega meu, de saudosa memória, Eduardo Cerqueira Lage, depois de ser incomodado por um deles por mais de uma hora, não resistiu. Pegou o infeliz por uma das patas, levou-a até a boca e deu-lhe uma senhora dentada na perninha. Depois me contou:
- Bala, que alívio! O sacaninha me via e saía a cem quilômetros por hora para se esconder. Nunca mais me encheu o saco.
Contaram-me que Saul, centroavante do Cassimiro de Abreu, participava de um jogo num distrito do município. O campo era de terra e não havia lugar para o público, que era isolado dos atletas apenas por uma corda sustentada, nos quatro lados e na parte central, pelos próprios policiais encarregados da segurança. Havia um tocedor chatíssimo segurando um desses cãezinhos por uma coleira. Qualquer atacante que chegasse à linha lateral do campo ele xingava dos mais variados nomes feios. E, como se isso não bastasse, ainda instigava o animalzinho a investir contra o atleta. Saul já tinha sido provocado várias vezes. Numa delas o cãozinho lhe rasgara o meião da perna esquerda. Na última vez Saul conduzia a bola pela lateral e o torcedor se esmerava nas ofensas e ameaças com o animaleco. Um colega de equipe correu para a área e gritou:
- Cruza! Cruza! Cruza!
Saul chegou com a bola bem perto do corpo do cãozito, deixou que ela corresse para a linha de fundo e simplesmente cruzou-o, com coleira e tudo o mais, fazendo-o desgarrar-se das mãos do dono. O cachorrinho voou que nem um pássaro e foi parar na pequena área, exatamente na cabeça do atacante que pedira a bola. E não é que este ainda cabeceou aquele bolinho de carne viva marrom para dentro do gol e saiu comemorando?
Felizmente o animal não morreu. Sofreu apenas algumas graves escoriações. Nunca mais quis ir a campos de futebol com aquele dono cricri.