Até um dia, Jorginho

Jornal O Norte
31/05/2007 às 11:46.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:06

Eugênio Magno


Montesclarense de nascimento e de coração, amigo de Jorge Santos

Quando no mês passado, em visita a Montes Claros – em companhia de meu irmão, João Aluízio, e revendo amigos, ao som de Lô Borges, na praça da matriz – Zecão me pediu que passasse no jornal e deixasse meu endereço para receber em casa as edições de O Norte de Minas, me enchi de contentamento. Minha alegria foi maior ainda quando, dias depois, ao chegar à noite em casa, deparei com o jornal em cima da estante se oferecendo a mim, para degustá-lo. Mal cumprimentei a patroa e os meninos e, antes mesmo de lanchar, devorei-o. Foi muito gratificante ter nas mãos, a 420 km de distância, o tino político e comercial de Rui Muniz, traduzido em notícia, informação e cultura, pilotado pela expertise do grande guru da imprensa norte-mineira, Reginauro Silva. Lendo O Norte de Minas, me senti em colóquio com os seus artífices, meus bons amigos Eduardo Brasil, Artur Leite, Aldeci Xavier, Manoel Freitas, Adriana Queiroz, Jerúsia Arruda, Luis Carlos Novaes, o próprio Reginauro, além de Zeca Aguiar e seus anúncios inspirados, da contribuição semanal de Eduardo Lima e da esporádica colaboração de Gilson Nunes. Lembrei-me dos meus primeiros meses em Belo Horizonte, em 1981, quando fazia questão de receber em casa, diariamente, informações de Moc e do sertão.

Era com muito prazer que vinha recebendo o jornal e vorazmente o devorava, até que dias desses vi na primeira página a notícia da morte de Jorge Santos, meu amigo Jorginho. Nesse dia não consegui ler o restante, e de lá pra cá, o jornal também ficou sem chegar em casa por vários dias. Nem vi em suas páginas um artigo de minha lavra, que enviei para ser publicado, intitulado O Brasil em foco.

O bom de estar entre amigos é que a prosa flui, sem reservas. O único perigo é nos perdermos nos entretanto e sobrar pouco espaço para os finalmente. Mas o que eu queria mesmo era dizer “até um dia”, pro Jorginho Santos. Sentei-me para escrever com esse propósito, mas algo em mim parecia estar evitando o mal estar de me despedir de um amigo querido. Talvez seja por isso que o texto não saiu antes, em data mais próxima ao seu funeral.

Conheci Jorginho ainda menino, na piscininha da Praça de Esportes. Na ocasião ele devia ter 8 anos e eu, uns 10. Aprendemos a nadar na mesma turma, com o velho e bom professor, Wilson. Depois de uns poucos anos de convívio, treinando natação e jogando futebol e basquete, este último sob as orientações de Sabú, passamos a nos ver muito pouco. Só voltei a ter contato com ele por volta de 1979, 1980, num período em que comecei a vê-lo às voltas com seu violão, começando a compor as primeiras canções, sonhando com a carreira musical, deixando o Jorginho apenas para os cuidados da dona Dora e já adotando o Jorge Santos. Nessa época ele passou a usar também um chapéu e um colete que se tornaram marca registrada de seu visual. Tenho quase todos as suas gravações e, como radialista, acompanhei vários dos seus trabalhos, quando estavam ainda em processo de gestação. Desde seu primeiro compacto, Canto Natural, Jorginho sempre me brindava com o disco autografado, quando não fazia agradecimentos especiais nos seus encartes. Uma generosidade dele, que me envaidecia.

Humilde e bonachão como o seu tio, o ex-prefeito de Montes Claros, Pedro Santos, para mim, o eterno Pedrão 70, sempre que via Jorginho me lembrava do personagem do cineasta Akira Kurosawa, Dersu Uzala, protagonista do filme de mesmo nome. Dersu é um nobre ser humano dotado das muitas virtudes cultivadas pelos povos orientais, entre elas a compaixão e a sabedoria. E eles se pareciam.  Outra figura com a qual sempre associei Jorge Santos é o cantor e compositor nordestino, Geraldo Azevedo, com quem ele sempre se assemelhou, não só em aparência física, como também na competência e dedicação com que empunhou o violão e defendeu cantando em alta voz o lamento da caatinga, do sertanejo.

Jorginho, lembrei-me agora que escrevo este texto, de Celsão, você e eu, fazendo serenata pra uma ex-namorada minha que morava em um pensionato na rua Güajajaras com São Paulo, na região central de Belo Horizonte, nos idos de 1982. A polícia interrompeu nosso canto e nos mandou ir pra casa mais cedo do que pretendíamos. E agora é você quem foi mais cedo para casa não é, meu irmão!? Mas já deve ter se “enturmado” por aí. Afinal, onde você está, tem muita gente boa e a polícia não vai poder perturbar a cantoria dessa curriola.

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