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Representatividade no STF é urgente e permite um horizonte para o futuro da infância feminina negra

Publicado em 30/10/2023 às 19:00.

Você deve ter acompanhado, nas últimas semanas, o forte debate sobre termos uma ministra negra no Supremo Tribunal Federal (STF). Uma representante do povo na mais alta instância do judiciário, capaz de interpretar a Constituição na sua essência e intuito de promover justiça social, é urgente.

Na história do STF, assim como em todas as instâncias do sistema judiciário, as cadeiras jamais refletiram a realidade demográfica do povo brasileiro. Mais de 160 pessoas passaram pela instituição. Só três eram homens negros e outras três mulheres - todas brancas. O problema é estrutural: o retrato do poder judiciário no Brasil é muito claro: trata-se de um homem branco cisgênero.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça, na primeira instância apenas 7% são mulheres negras. Na segunda instância, o dado cai para 2%. Você ainda duvida que haja algo de errado? Vamos falar então de demografia. O último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que 56,1% da população brasileira são pessoas negras, sendo 28% mulheres.

Ou seja, a falta de representatividade está escancarada e é uma engrenagem relevante da máquina de exclusão que vêm sendo construída no Brasil há séculos. Não podemos esquecer da história. Quando o Brasil “libertou” as pessoas negras da escravidão, elas se depararam com uma sociedade pautada pelos anseios e pelo projeto de País da elite herdeira branca, que criou os instrumentos juridícios que até hoje excluem o restante.

Mesmo com o surgimento mais recente de leis que penalizam a discriminação racial, a realidade ainda está muito distante do mínimo. É impossível listar todos os casos de racismo que ganharam notoriedade nos últimos anos sem qualquer tipo de justiça aplicada (e isso não apenas no Brasil). Imagine, então, qual é a situação daqueles inúmeros casos que não ganharam manchetes em nenhum jornal. Ou seja, os parâmetros legais até existem, mesmo que muito incipientes, mas a vigilância para o cumprimento da legislação é extremamente falho. Está na estrutura.

Quando falamos que o problema é estrutural, nos referimos às questões impregnadas e naturalizadas em todos os lugares. Mesmo em ambientes seguros, as pessoas negras não estão protegidas como as brancas.

Vem cá, pessoa branca, você evita ir ao supermercado usando bolsas, para que não seja revistada ao chegar no caixa? Você orienta suas crianças e adolescentes a não ter comportamentos “suspeitos” para evitar a truculência policial? Também precisamos lembrar que, de acordo com a Anistia Internacional, 62% das mulheres vítimas de feminicídio no Brasil são negras. Quem vai se importar com elas?

Ao assumir uma posição no STF, uma mulher negra não carrega consigo apenas as experiências jurídicas necessárias para ocupar tal posto. Ela traz toda a luta ancestral por espaço, direitos e justiça social. Com ela, também vem a história de milhões de pessoas negras silenciadas e injustiçadas por um sistema que, até hoje, trabalha para calar suas vozes.

É possível iniciar uma transformação profunda agora, com uma mulher negra ocupando uma posição decisiva na mais alta instância judiciária do país. Não apenas porque isso traz a possibilidade de ampliar a segurança para essa parte da população, mas também porque abre um horizonte único para crianças mulheres negras. A infância que já consegue se perceber no meio artístico ou em algumas áreas profissionais, também se verá representada na justiça. Também é uma forma de dar às jovens negras uma esperança. Um olhar positivo para o futuro. E já passou da hora!

*Fundadora e consultora sênior da Integra Diversidade

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