Opção criativa

Leila Silveira e Délcio Fortes
19/01/2019 às 06:16.
Atualizado em 05/09/2021 às 16:07

Reza a lenda egípcia que a psicostasia ou julgamento dos mortos ocorre sob a forma do Tribunal de Osiris, cujo ápice é a pesagem do coração do recém-finado em uma balança. Se o coração pesar mais que uma pluma o morto é condenado, impedido de seguir viajem rumo ao almejado paraíso e em seguida entregue a um monstro que o devora. A crença estimulava os cidadãos egípcios a praticarem boas obras e a desenvolver as virtudes do espírito, ou seja, quanto mais leve fossem as almas, maior chance teriam de experimentar a grande jornada e, quem sabe, chegar até ao paraíso. Creio que nos dias atuais, pouquíssimas pessoas passariam por este teste post-mortem...

A cada dia que passa somos levados a um tipo de vida voltada para a competitividade, realização material, acumulação de bens, exercício da intolerância, egoísmo, inveja, indiferença, violência e estresse.

Nossos corações estão sobrecarregados com tantas preocupações imediatistas, tantas atividades rotineiras e cansativas que perdemos a capacidade de nos sensibilizar, de nos acariciar, de nos livrar das tralhas que amealhamos nas lutas diárias...

Relações conflitantes, contas a pagar, metas ambiciosas, desejos reprimidos, sonhos extravagantes, hábitos consumistas, dietas intoxicantes, paixões desmedidas, pressa excessiva, ritmo feroz, trânsito caótico, diálogos truncados, interesses contrariados, carreiras ameaçadas, convivências destrutivas, abafadas e mal resolvidas pelo antidepressivo nosso de cada dia, pela dose extra no final da noite, pela insônia recorrente, pela gastrite persistente, pelo sexo desenfreado, pela ditadura do espelho, pelo saldo bancário, pela busca incansável do corpo idealizado. Nos dias de hoje ninguém escapa das garras desse roteiro maluco, mas há os que o ajudam a se tornar mais pesado ainda.

Existem pessoas especialistas em deixar a existência mais onerosa, a personalidade mais carregada, os remédios mais tarja- preta, as angústias mais nebulosas, copo de fel mais transbordante, impaciência mais afiada, postura mais agressiva e humor mais negro.


Sabemos que a vida de ninguém é um mar de rosas, nem que devamos brincar de Polianas da ingenuidade, mas um pouco mais de gentileza, de alegria, de solidariedade, de otimismo, de delicadeza, de empatia torna nossas dificuldades mais palatáveis, nossos desafios mais amenos, nossos relacionamentos mais agradáveis, nossa esperança mais radiante, nossa presença mais influente e agregadora. Ter ânimo afasta lamúrias e lamentações que envenenam o cérebro e sabotam nosso progresso.

Ter leveza afugenta o baixo astral, melhora a autoestima, espantando nossa tendência suicida de dramatizar a vida, de valorizar os obstáculos, de dar tons muito fortes às emoções negativas, fruto de nossos pensamentos equivocados, alimentados pelo medo, pela superstição e ansiedade.

Da mesma forma que aprendemos a ser deprimidos, amargos, tensos, rudes e atordoados, podemos aprender também a tirar nossas velhas mochilas das costas, a tirar o peso de nossos ombros, as dores de nossa cabeça, o chumbo de nossos pés, eliminando gorduras mentais, excessos comportamentais, volúpia tecnológica, drogas sociais, esquizofrenia urbana, medo de assalto, de estranhos, de abusos, de beligerância, de solidão... Afinal ser leve é opção criativa, desafio existencial, um estilo corajoso de viver!

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