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O fim das notas e a ascenção dos códigos

Gregório José*
Publicado em 22/04/2025 às 19:00.

Olha… se alguém me dissesse há dez anos que eu quase não usaria mais dinheiro de papel, eu provavelmente daria uma risadinha, daquelas de quem não leva a sério a futurologia. Afinal, cresci vendo gente guardando notas dentro de latas de biscoito ou enfiadas no colchão. Dinheiro de verdade tinha cheiro de novo (ou de velho, dependendo da nota), tinha textura, passava de mão em mão. Mas cá estamos… e hoje, confesso: faz semanas que não toco numa nota de R$ 50.

A verdade é que o dinheiro mudou de forma, mas não de função. E mudou rápido. Aqui no Brasil, o PIX chegou como quem não queria nada e, de repente, virou rei. Sabe aquela moedinha que a gente deixava no console do carro pro estacionamento? Virou QR Code. O troco do pãozinho da padaria? Cai direto na conta. E o mais curioso é que ninguém combinou — simplesmente foi. A praticidade venceu, como costuma acontecer nas revoluções silenciosas.

A Europa, que sempre foi mais apegada a processos longos e passos cautelosos, agora está de olho no mesmo caminho. O Banco Central Europeu quer introduzir o euro digital, e isso muda o jogo. Por cada 10 euros digitais que forem emitidos, cinco físicos saem de cena e os bancos perdem três em depósitos. É como se o dinheiro estivesse deixando de ser coisa de banco e voltando a ser uma ferramenta direta entre as pessoas e o próprio banco central. Simples, direto, sem intermediário.

É uma revolução meio invisível, mas imensa. O euro digital vai ser uma espécie de dinheiro “puro”, criado pelo BCE, que você poderá usar como hoje usa um app de delivery. Mas aí vem a pergunta que me inquieta: será que estamos preparados? Porque não se trata só de tecnologia, trata-se de confiança. Confiança de que não vai ter apagão digital, que o sistema não vai cair bem na hora de pagar a conta do restaurante, que nossas informações estão seguras — e que, em última instância, ainda teremos escolha.

E sabe o que é mais interessante? Esse movimento não é só por conveniência. É geopolítico. A Europa quer manter sua soberania financeira, sua independência. Porque hoje, quando você compra online, muito provavelmente está passando por um sistema de pagamento americano. E isso, para quem pensa com a cabeça de Estado, é um detalhe que pesa.

Mas, como tudo nessa vida, há riscos. O próprio BCE admite: há ameaças cibernéticas, problemas legais, falhas operacionais. É uma estrada promissora, mas cheia de curvas.

No fim das contas, o papel-moeda ainda existe, sim, mas virou quase uma relíquia de um tempo mais tátil. Talvez nossos netos vejam uma nota de euro ou de real como a gente vê uma máquina de escrever: charmosa, mas ultrapassada. E a gente vai lembrar, com um sorriso no canto da boca, de quando dizia “aceita só em dinheiro?” — e isso fazia algum sentido.

O mundo muda. O dinheiro também. E se há algo que aprendi com essas transformações é que o mais valioso mesmo… é continuar aprendendo a navegar por elas.
 
*Jornalista/Radialista/Filósofo

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