Meu misterioso amor pelo mar

Mara Narciso - Médica e jornalista
05/02/2019 às 07:14.
Atualizado em 05/09/2021 às 16:23

Quem nasceu vendo o mar, tendo-o ao alcance dos olhos e dos pés, não quantifica a atração fatal que tem o mar oceano. Os sete mares recebem medo e respeito universais, enquanto sentimentos poderosos confundem quem o conhece anos depois do nascimento. Há inicialmente o impacto diante da sua beleza e grandiosidade. O mar está tão distante de nós, inacessível a tantos, que muitos nascem e morrem sem vê-lo uma única vez.

Eu conheci o mar aos oito anos de idade. Fomos de ônibus de Montes Claros até o Rio de Janeiro, pai, mãe, irmão de nove anos e eu. Para escrevermos um diário de viagem, ganhamos uma caderneta, que tenho comigo ainda hoje. Nela rabisquei minhas impressões sobre aquele gigante assustador e belo. Lá estava o mar, imenso, ameaçador, numa tarde carioca chuvosa. Eu, minúscula, sabia nadar, mas com o mar ninguém pode.

Então o vi de novo aos 15, 19, 21, 22 anos, e desde então, todo ano vejo o mar, com exceção dos anos 2007 a 2013, tempo que fiquei sem ver minha paixão. Enxergá-lo, num primeiro momento, aperta meu peito e arranca-me lágrimas. É um amigo/inimigo, cujo gigantismo e mistério me fazem tremer. Eu o encaro firmemente, experimentando uma dualidade de sentimentos: amor e temor.

Olho no fundo dos seus olhos verde-azulados; imagino a sua eternidade, força, profundidade e ameaça, lamento a distância, a saudade, e procuro buscar dentro dele a força, a lucidez e a calma, que tantas vezes me faltam.

Muitos escrevem versos, fazem canções, cantam para o oceano. Ele oferece qualquer coisa, exceto a previsibilidade. É o tal que engole gente, e quase engoliu meu filho Fernando, ainda menino. Era uma manhã em Ilhéus. Ele estava afoito, com água pelos joelhos. Como de costume, o pai e eu não tirávamos os olhos dele. Num instante, vimos que algo diferente acontecia. Uma corrente marítima o puxava e o estava levando. Já dentro d’água, corri em sua direção. Logo o pai veio ajudar-nos. Outras pessoas chegaram. Corremos todos, enquanto as águas o arrastavam para longe de nós. Tentei aproximar-me dele, esticando-me toda, pernas, braços e gritando por ele. Fernando continuava sendo puxado e levado pela força das ondas. Eu aflita, aos berros, descontrolada, e ele me vendo, sem conseguir voltar, apavorado. Num último instante, consegui lhe segurar a mão e o puxei, trazendo-o de volta para a praia.

O pescador conhece a natureza traiçoeira do mar e a maneira ciumenta de Iemanjá, a Rainha do Mar. Entre oferendas, flores, perfumes e pentes, faz orações e pedidos. Descrente de qualquer entidade, faço reverências ao mar em si. Observo, me emociono e me entrego, aproximando-me dele ao máximo. Chego tímida, molho meus pés, e, nos poucos dias anuais em que posso vê-lo, me debruço sobre ele, mirando-o, admirando-o, me energizando e ao mesmo tempo me preparando para a despedida, pois minha estada é breve, brevíssima.

Durante o curto tempo que tenho, costumo interagir, me desnudar, me doar, me integrar. Mas nesta minha mais recente estada, não senti a tradicional mistura de elementos. Aconteceu um distanciamento, sendo impossível a unificação. O estranhamento inicial perdurou. Falhei. O mar e eu estamos preocupados com os rumos do país.

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