Messi supera ovo no incrível mundo de Memelândia

VINICIUS PRATES
Publicado em 26/12/2022 às 21:41.

Suas curvas são perfeitas; sua cor, um agradável tom entre ocre e dourado. Esses atributos não são os de uma modelo internacional, dessas a respeito das quais sabemos da decoração da casa de 20 dormitórios na Califórnia, dos carinhos que faz nos lindos cães de raças. Trata-se de um simples, prosaico e bem posto ovo. Nada há de especial nele, a não ser que uma foto sua havia sido a mais curtida da história no Instagram, com 56,3 milhões de “likes”. Parabéns, ovo! Parabéns, mamãe galinha e toda família!

Este foi um grande feito, sem dúvida, mas o império ovoide sofreu um duro golpe de ninguém menos que Lionel Messi, campeão e melhor jogador da Copa do Mundo de 2022, numa foto na qual ele ergue o troféu com uma expressão eufórica. Foi preciso que viesse a Copa… Os sete prêmios Bola de Ouro anteriores não haviam sido suficientes para chegar à liderança no Instagram. Messi pode agora se orgulhar de ter atingido 56,6 milhões de curtidas, sobrepujando o ovo, e deixando para trás, sem chances, Mbappé, Cristiano Ronaldo e Neymar.

Mas por que esse ovo chegou a esta marca? Se o leitor fizer a experiência de buscar uma foto dele, verá que - se sua preferência, claro, são por ovos marrons - deve ter alguns iguais em casa, e não será possível diferenciá-los do campeão de interações. E aqui está a questão que os proponentes da experiência quiseram provar: absolutamente qualquer coisa pode viralizar na internet, e justamente foi essa a intenção.

Podemos gostar disso ou não, mas este é o mundo memênico no qual nos locomovemos. Se um talento extraordinário no esporte mais popular do planeta está em primeiro lugar nas interações, não é de deixar alguém surpreso. Mas que ele dispute essa primazia com um ovo é sintoma do quão aleatórios podem ser os temas que se tornam virais. Esse é o novo jogo, com suas possibilidades e os seus perigos.

O termo “meme” não é tão novo quanto parece, e não foi criado pensando no mundo digital, mas adaptado a este. Ele foi proposto pelo escritor e biólogo Richard Dawkins no final dos anos 1970, num livro sobre evolução das espécies. Dawkins entende que os genes das espécies são o centro de interesse evolutivo, como se sua memória se transmitisse usando cada indivíduo isoladamente apenas como um “hospedeiro”, se assim podemos dizer: uma etapa transitória para a disseminação do próprio gene.

Os usuários de redes sociais que compartilham os memes estão num papel paralelo aos dos indivíduos na cadeia evolutiva, eles são meros intermediários para a disseminação de uma unidade de informação. Os memes, sim, têm vida própria e nos usam para o fim de sua reprodução.

Se chegamos até aqui, talvez seja a hora de dar um passo atrás e voltarmos a nos assenhorar desse tipo de manifestação que tende a nos engolfar. É claro que há na maior parte dos casos brincadeiras inocentes, a respeito das quais não há qualquer problema em participar, e podem ser muito prazerosas, um pequeno intervalo para uma situação de humor que só nos ajuda a enfrentar os problemas do dia. Um riso no meio de uma tarde carregada de trabalho deveria estar em algum código dos direitos humanos, afinal.

Mas também é preciso uma advertência: que estejamos no comando da situação. Que possamos olhar o que é compartilhado com critério e saibamos o que estamos fazendo com aquela informação, numa era de compartilhamentos de discursos de ódio e de fake news, principalmente se eles estão acobertados por uma roupagem de humor. Essa é a condição para a manutenção de um mínimo de civilidade e de saúde mental.

É perfeitamente justo que Messi esteja em primeiro lugar nos likes do Instagram. Mas se o ovo nos ajudar a refletir sobre uma questão tão importante para o destino de nossa era, sejamos justos, também fez por merecer o seu lugar no pódio.

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