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Domingo,22 de Setembro
Artigo

Hugo Meira: memórias de um educador

José Normando Gonçalves Meira
25/06/2023 às 01:22.
Atualizado em 25/06/2023 às 01:25

Hugo de Souza Meira (1927-2017) foi um educador em sentido amplo. Procurava refletir sobre diversas questões da vida, elaborando suas teses, compartilhando-as com a sua família (especialmente com os seus filhos) e com os que com ele conviviam. Tinha prazer em expor as suas percepções. Estudou até o terceiro ano primário. Era observador reflexivo da realidade.
Era liberal convicto sem jamais ter lido John Locke, Adam Smith ou qualquer outro teórico. Quando ele ainda era jovem, o seu pai, por motivos familiares, vendeu a fazenda, mudando-se para a cidade. Hugo, acostumado às atividades rurais, passou a trabalhar para outros fazendeiros. Ao ser contratado, o patrão perguntava o salário pretendido. Ele respondia: “Quero salário não senhor, quero é liberdade. Determina o serviço, farei o melhor possível e o senhor me deixa criar umas poucas reses, plantar minha rocinha, entrego o terreno empastado e vamos controlando”. Logo conseguiu comprar o seu próprio sítio. Sempre foi pobre, mas conseguiu autonomia e dignidade. Era crítico veemente das leis protecionistas: “Essas leis atrapalham a todos. Antes, os fazendeiros permitiam que o pobre morasse na terra e produzisse. Agora, prefere mandar condução buscar na cidade pela manhã e devolver à tarde. O salarinho no fim do mês não cobre as despesas da cidade”. Analisava: “Essas leis só atrapalham quem produz. Quem prospera é punido pelo governo”. Tinha facilidade em matemática, cálculos. Sobre atividades comerciais observava: “Você não deve considerar o preço que está vendendo, mas o que vai comprar (reposição de estoque)”. Sobre imóveis: “Mesmo que o valor esteja acima do mercado, se puder, compre. Compensará. Só arrepende quem vende, quem compra não se arrepende. Vender, só para comprar algo melhor”.
Era determinado pela escolarização dos seus filhos. Com o apoio de uma irmã, apelidada (com justiça) de Santinha, conseguiu realizar o sonho da formação superior dos três filhos. Orgulhava-se disto, embora alertasse: “Diploma é importante, mas é preciso prática, experiência. Diploma só não resolve. A melhor escola é a escola do mundo”. Seu primogênito, resistente a sair de casa para estudar na cidade, dizia: “Meu pai, se todo mundo estudar e virar doutor, quem vai trabalhar na roça para sustentar a cidade?” Ele rebatia: “Vai estudar e virar doutor. Se depois você quiser, pode voltar para trabalhar na roça. Logo seu corpo se acostuma. Mas se você ficar aqui e depois quiser virar doutor, será mais difícil”. Citava o próprio exemplo: “Meu tio queria me levar para estudar em Diamantina, eu não quis deixar a vida na fazenda do meu pai”. Quando a situação exigia maior veemência, argumentava: “Se eu tivesse ido lavar banheiro na casa do meu tio e tivesse estudado, hoje vocês não precisariam sair de casa. O juízo do filho está na cabeça do pai. Penso no futuro dos meus netos. Nasceu, sofreu. É preferível comer só feijão com sal na casa do pai a ter comida boa na casa dos outros. Para mim, seria melhor ter vocês aqui para ajudar, mas eu não quero a infelicidade de vocês”. Ele acreditava nos estudos como um meio de ascensão socioeconômica. Citava exemplos de pessoas que se sacrificaram para estudar e colheram bons frutos. Valorizava atitudes empreendedoras.
Não tinha conhecimento técnico em agronomia, mas debatia sobre as vantagens de plantar poucas sementes na cova e deixar uma distância razoável entre as “ruas” para melhorar a produção. Criticava veementemente os poços artesianos e defendia a construção de pequenas barragens para a preservação da água. Defendia o uso racional das madeiras, pensando nas futuras gerações.
Citava a sua avó: “Fazer o bem, sem olhar a quem. Tudo o que você fizer aos outros, bem ou mal, está fazendo para você mesmo. Não queira ser “esperto” nos negócios, prejudicando outros, pois quem ri hoje, chora amanhã”. Era temente a Deus. A partir dos 65 anos, tornou-se leitor da Bíblia. Leu-a toda várias vezes (leitura sequencial, de capa a capa). Admirava Salomão a quem Deus deu oportunidade de pedir o que quisesse e ele pediu apenas sabedoria. Citava Noé, Daniel e Jó como referências de justiça (Ezequiel 14.14,20). Tornou-se membro ativo da Igreja Presbiteriana, mas dizia: “A minha religião é a Bíblia”.
Registro aqui essas memórias com os olhos rasos de lágrimas. Saudades do meu amigo, professor, mestre, conselheiro, pai.

José Normando Gonçalves Meira é Bacharel em Teologia (SPS-BH), Licenciado em Pedagogia (UNIMONTES), Mestre em História (UFMG) e Doutor em Educação (PUC-SP). Professor da Universidade Estadual de Montes Claros. Pastor da Oitava Igreja Presbiteriana de Montes Claros.

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