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Glória Maria, cuidados paliativos e esperança

Marco Antonio Spinelli*
Publicado em 10/02/2023 às 22:40.

Estava dirigindo para mais um dia de trabalho quando a programação da Rádio CBN foi interrompida pela notícia da morte da jornalista Glória Maria, bem dentro do “Hora do Expediente”, quadro que, sempre que possível, acompanho. O comentarista José Godói foi direto ao ponto em seu comentário, sem fugir do viés racial: Glória Maria foi a primeira mulher negra a empunhar o microfone no Jornal Nacional, no tempo que grande parte da opinião pública era formada pelo telejornal. Ela quebrou barreiras e abriu caminho para muita gente.

Nos dias seguintes, o Jornalismo mostrou, como qualquer área de atuação humana, seu lado brilhante e outro lado não tão brilhante, quando programas de fofocas noticiaram que as últimas duas semanas da incrível Glória Maria tinham sido marcados por depressão e Síndrome de Pânico. Um alerta: se alguém usa o termo Síndrome de Pânico, geralmente não sabe do que está falando. Ou você tem Transtorno de Pânico – entidade clínica baseada e sinais, sintomas e critérios diagnósticos – ou crises de pânico isoladas. Síndrome de Pânico é um termo consagrado por leigos, que não indica muita coisa. Mas, voltando a Glória Maria: esses veículos relatam que a jornalista teve uma reação muito negativa quando recebeu a notícia que sua doença, um câncer de pulmão metastático, não respondia mais ao tratamento e ela passaria aos cuidados paliativos, o que gerou a reação que alternou depressão e pânico. Reações bastante esperadas, como já documentado pela literatura médica e psicológica há décadas. Mas por que ser encaminhada ao cui
dados paliativos teve um impacto tão severo e que, eu ouso imaginar, acelerou a progressão da doença?

Para Glória Maria e muitos pacientes, ser encaminhado para cuidados paliativos significa a morte da esperança. O que mata o câncer é nosso sistema imune. Os tratamentos estão indo cada vez mais na direção de fortalecer e agilizar as células de defesa, para conter e equilibrar processos oncológicos, transformando o câncer em doença crônica. 

Nosso corpo é um formidável sistema de manutenção da vida. Na hora do susto, do luto, do pânico diante da vida e da morte, tem gente muito boa para segurar a mão de quem está sofrendo. E traz significado a todo esse processo, inclusive abrindo caminho para a reconciliação com a ideia da morte, um tabu difícil de enfrentar aqui no Ocidente.

*médico, com mestrado em psiquiatria e psicoterapeuta de orientação junguiana 

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