No Brasil, a política já foi teatro, picadeiro, ringue. Hoje, se parece mais com um álbum de família. Os sobrenomes se repetem como heranças inescapáveis: filhos de prefeitos, netos de ex-governadores, sobrinhos de senadores. A democracia, que deveria ser um palco aberto ao talento e à vocação, virou uma árvore genealógica bem irrigada pelo poder.
As Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas, Câmara Federal e Senado mais parecem encontros de famílias poderosas, que dominam a cena há gerações. O poder, que deveria ser renovação, está ancorado em raízes antigas.
Mas eis que surge um nome improvável na política nacional: Gusttavo Lima. O cantor, que lota arenas e arrasta multidões, aparece na pesquisa Genial/Quaest com números expressivos para uma eventual disputa presidencial em 2026. Do palco para o palanque, do microfone para o microfone – a transição não é tão absurda assim. Afinal, carisma e popularidade são moedas valiosas na política brasileira.
A ascensão do sertanejo como possível presidenciável não é um fenômeno isolado. Ela reflete um país onde a polarização Lula-Bolsonaro recria o nacionalismo em novos formatos. E nesse Brasil polarizado, há espaço para um nome que encarne a ideia de ‘homem do povo’, alguém que fale a língua do eleitor comum, que cante suas dores e seus amores.
Mas será que um artista, cuja especialidade é emocionar multidões com refrões pegajosos, tem o estofo necessário para lidar com as complexidades da máquina pública? A história já viu atores, empresários e celebridades disputarem – e até vencerem – eleições. A política virou um espetáculo onde o roteiro se adapta ao público. E se o público pede renovação, mas só tem à disposição os mesmos sobrenomes, qualquer outsider vira promessa.
A pesquisa mostra que Lula segue na dianteira, mas Gusttavo Lima já pontua melhor que políticos tradicionais. O fenômeno sugere que o eleitor brasileiro, exausto das mesmices políticas, busca rostos novos, mesmo que venham dos palcos. O problema é: será que um novo rosto significa, de fato, uma nova política?
E é aí que entra a grande ironia: a renovação política que o Brasil tanto precisa não virá apenas da troca de personagens, mas de um novo enredo, de novas práticas, de um real compromisso com o progresso – não apenas com a manutenção de um show itinerante.
Como diria o filósofoa José Simão “Buemba, buemba! A política brasileira virou um festival sertanejo”. Daqui a pouco, ao invés de debates, teremos shows, e o eleitor votará no candidato que fizer a melhor sofrência. E, se a coisa continuar assim, não se espante se em 2030 tivermos um embate entre Anitta e Wesley Safadão. Apertem os cintos, que o Brasil não é para amadores!
*Jornalista/Radialista/Filósofo