Dona Ana chegou ao consultório carregando no semblante uma coleção de histórias e preocupações que o tempo trouxe. Naquele dia, ela me confidenciou o impacto do diabetes em sua família – uma narrativa de dores compartilhadas, perdas, e um medo silencioso que parecia renascer a cada diagnóstico. A voz embargada revelava o quanto essa doença havia atravessado a saúde de seu pai, irmãos e tios. Mas o que Dona Ana desconhecia – e que a surpreendeu com uma mistura de temor e desassossego – é que o diabetes, além de fragilizar o corpo, tinha afetado, de forma quase invisível, sua visão.
A trajetória de Dona Ana não é única; na verdade, é conhecida demais. Muitos de nós já ouvimos histórias parecidas – ou talvez até as tenhamos vivido. Semana após semana, encontro pacientes céticos diante da ideia de que a visão também pode ser atingida pelo diabetes, como ocorre na Retinopatia Diabética, uma das principais causas de cegueira em adultos. Nas fases iniciais, a doença é traiçoeira, sem sintomas aparentes, o que permite que o dano se aprofunde sem ser percebido. A catarata, outra complicação frequente, chega mais cedo e avança rapidamente em quem convive com a doença. Mas há algo que muitas vezes esquecemos – e que considero a essência dessa conversa: há muito o que pode ser feito para proteger a visão e a qualidade de vida dessas pessoas.
Ao ouvir sobre tudo isso, Dona Ana acompanhava cada palavra, atenta. Explicar a importância do controle da glicemia e das visitas regulares ao oftalmologista foi como abrir um caminho de possibilidades para ela. Com essas ações preventivas, podemos preservar a visão e evitar um diagnóstico tardio. E, felizmente, o trajeto para esse cuidado está claro: com disciplina, é possível reduzir drasticamente as complicações oculares do diabetes.
Os números sobre a doença são preocupantes. Mais de 20 milhões de brasileiros convivem com a doença, e, no mundo, esse número pode chegar a 643 milhões até 2030. Mas isso não significa impotência. Cuidar do diabetes é um compromisso que envolve pequenas escolhas diárias – cada uma delas um passo a mais na preservação da saúde ocular e da qualidade de vida. Estabilizar a glicemia, manter uma alimentação equilibrada e incluir atividades físicas na rotina são atitudes que reverberam em cada aspecto da saúde. Ao compartilhar isso com meus pacientes, vejo muitos renascerem para a importância da prevenção, acreditando que esse é um caminho não só possível, mas transformador.
Neste Dia Mundial do Diabetes, quero trazer uma mensagem de esperança e ação. O diabetes pode ser uma condição silenciosa, mas o cuidado pode – e deve – ser constante, vigoroso. A visão não precisa ser uma das perdas; ela pode ser mantida com escolhas conscientes, disciplina e apoio profissional. Cuidar dos olhos é, em última análise, cuidar da vida, e sempre é tempo de começar.
*Oftalmologista da Oftalmologia Felício Rocho