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Do caderno ao bolso

Diogo Angioleti*
Publicado em 30/05/2025 às 19:00.

Começar a educar uma criança hoje é plantar uma sociedade mais saudável amanhã — e esse é um investimento que precisamos levar a sério, pois a colheita virá no longo prazo. A presença do letramento financeiro nas escolas brasileiras, prevista na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) desde 2020, é uma resposta concreta à necessidade de formar cidadãos mais preparados para lidar com os desafios econômicos. Nela, a educação financeira é tratada como tema transversal obrigatório na Educação Básica. O objetivo é claro: capacitar estudantes para tomar decisões conscientes, planejar o futuro e adotar comportamentos responsáveis em relação ao dinheiro.

Apesar de avanços recentes, o desafio de melhorar o comportamento financeiro dos brasileiros permanece urgente e é refletido nos dados mais atuais. Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o endividamento das famílias brasileiras subiu para 77,6% em abril de 2025, mantendo a tendência de alta observada nos meses anteriores. Entre as famílias com renda de até três salários-mínimos, o índice de endividados atingiu 81,1% no mesmo período, evidenciando a maior vulnerabilidade desse grupo. A inadimplência também segue elevada: 29,1% das famílias relataram dívidas em atraso em abril, e 12,4% afirmaram não ter condições de quitar esses débitos. Além disso, a parcela de famílias que destinam mais de 50% da renda ao pagamento de dívidas, embora tenha apresentado leve recuo, permaneceu alta, alcançando 20,5% em abril de 2025

Ou seja, as crianças estão aprendendo sobre finanças em um contexto desafiador e podem desenvolver vieses no entendimento da relação com o dinheiro. Acredito que a efetiva implementação da educação financeira nas escolas brasileiras esbarra, principalmente, na falta de formação específica e capacitação dos professores, na escassez de materiais didáticos adequados, na integração ainda insuficiente do tema ao currículo escolar e na sobrecarga dos docentes, que muitas vezes já lidam com uma grade extensa de conteúdos.

Além disso, fatores culturais — como o tabu em torno do dinheiro — e as desigualdades sociais e regionais dificultam o acesso e o engajamento dos alunos. Soma-se a isso a base matemática frágil de muitos estudantes, o que compromete a compreensão dos conceitos financeiros. O letramento financeiro escolar, quando trabalhado de forma multidisciplinar e contextualizada, pode ser uma ferramenta poderosa para transformar esse cenário, promovendo o desenvolvimento de competências como planejamento, consumo consciente e autonomia na tomada de decisões.

Organizada pelo Fórum Brasileiro de Educação Financeira (FBEF), a Semana Nacional da Educação Financeira - Semana ENEF, que iniciou dia 12 e segue até dia 18/05, é um convite à reflexão: queremos continuar formando jovens que só aprendem sobre dinheiro quando já estão endividados? Ou vamos assumir o compromisso de preparar cidadãos mais conscientes, capazes de transformar sua realidade? Investir em educação financeira é investir em liberdade e em futuro. A educação financeira nas escolas não é apenas uma resposta às estatísticas preocupantes, mas um investimento em uma sociedade mais justa, autônoma e preparada para enfrentar as complexidades do mundo contemporâneo.

Afinal, como nos lembra Paulo Freire: “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo.” 
 
*Especialista em finanças e comportamento do Sistema Ailos

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