Certamente você já ouviu a expressão: “Tem gente que chegou agora e já quer sentar na janela.” Não é de um filósofo clássico ou de um livro acadêmico, mas, como muitas expressões populares, carrega uma sabedoria profunda. A frase reflete algo essencial sobre a convivência humana: a importância de compreender limites, regras e o tempo das coisas. No caso que se tornou viral recentemente, a cena de uma mãe exigindo que uma passageira cedesse seu lugar na janela do avião para sua filha revela um sintoma maior de nosso tempo.
Ao filmar e criticar a mulher que se recusou a trocar de lugar, a mãe não percebeu que, na realidade, estava diante de uma oportunidade educativa. Aquela passageira não era insensível ou desprovida de empatia – ela ensinava, de maneira talvez implícita, algo que a família deveria ter ensinado antes: o mundo não é, nem deve ser, moldado exclusivamente à nossa vontade.
O ato de querer algo, por mais legítimo que seja, precisa ser mediado pela consciência de que existem regras e direitos que nos precedem. Eu aprendi isso com meus pais, que repetiam, com paciência, que o mundo é maior do que nossos desejos. Essa lição, aparentemente tão simples, parece estar cada vez mais rara. Muitos, ao invés de aprenderem que é preciso respeitar os limites e o direito dos outros, são incentivados a acreditar que suas vontades sempre devem prevalecer.
O que vemos no avião reflete o que também ocorre em outros espaços, como na sala de aula. Há alunos que, por não aprenderem desde cedo a lidar com regras, se tornam avessos à ordem e ao esforço. Chegam sem preparação, mas exigem os melhores resultados. Querem o destaque de quem estudou sem aceitar a jornada que isso implica. Quando esses indivíduos avançam para o mercado de trabalho, o padrão persiste: desprezo pelos processos, dificuldade de lidar com hierarquias e a busca incessante por atalhos que muitas vezes comprometem o bem coletivo.
Essa postura, de querer “sentar na janela” sem considerar o outro ou as regras, vai além da questão individual. É uma ameaça à convivência social, pois mina os pilares que sustentam o respeito e a cooperação. Regras não existem para aprisionar; elas são os acordos que nos libertam do caos. Assim como a janela do avião tem um dono temporário porque foi comprada, cada espaço na vida precisa ser conquistado com tempo, respeito e consciência.
A reflexão que surge, então, é a seguinte: até que ponto estamos contribuindo para a formação de indivíduos que compreendam o valor do esforço, do respeito e das regras? A janela, nesse caso, não é apenas um assento no avião. É um símbolo da convivência em sociedade, que requer equilíbrio entre nossas vontades e as necessidades coletivas.
*Professor, consultor e filósofo