Os números impressionam, chocam e nos obrigam a pensar: no Brasil, uma pessoa com mais de 55 anos morre a cada quatro horas em decorrência do consumo excessivo de álcool. A pesquisa do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), com base nos dados do Ministério da Saúde e da OMS, traz um retrato de tragédia silenciosa e progressiva.
O álcool, sempre tratado como parte da “cultura do brinde”, mostra-se um algoz implacável, especialmente na terceira idade. A taxa de mortalidade alcoólica entre os mais velhos subiu de 22% para 35% no total de internações atribuídas à bebida em apenas uma década. Enquanto isso, entre os jovens de 18 a 34 anos, as mortes ligadas ao álcool diminuíram de 17,1% para 11,8% no mesmo período.
Seria uma boa notícia para os mais novos, se não fosse o péssimo presságio para quem sobrevive ao álcool jovem e vai pagar a conta na velhice. Afinal, o alcoolismo é um credor paciente: a natureza progressiva da dependência vai acumulando juros no fígado, no coração e na mente, até que a soma se torna insuportável.
O que torna esse dado ainda mais perverso é que os idosos, em média, consomem menos álcool do que os jovens. Em 2023, apenas 8,6% das pessoas acima de 55 anos relataram abuso de bebidas alcoólicas, contra 26,9% dos jovens e 22,9% daqueles entre 35 e 54 anos. Então, por que os mais velhos estão morrendo tanto?
A resposta está na matemática cruel da biologia. O envelhecimento já fragiliza o organismo, tornando-o mais vulnerável. Adicione o álcool, com suas promessas momentâneas de alívio, e você terá uma fórmula fatal. Cirrose, complicações hepáticas, hipertensão, problemas mentais — a lista é longa, e a recuperação, quase sempre, mais lenta do que o avanço das doenças.
E o que fazemos diante disso? Muito pouco. O alcoolismo ainda é visto por muitos como uma fraqueza de caráter, um desvio moral, quando na verdade é uma doença complexa. A sociedade finge que não vê; as famílias, muitas vezes, não sabem como agir; e o sistema de saúde luta com recursos insuficientes para atender a um problema crescente.
Talvez o maior erro esteja no enfoque: campanhas de conscientização se voltam para os jovens, enquanto os mais velhos são esquecidos. Quem vai oferecer um ombro amigo para aquele tio, aquele pai ou aquele avô que, silenciosamente, se afoga em doses diárias? Quem vai dizer que há ajuda disponível, sem julgamentos?
O Brasil tem uma relação histórica com o álcool, que é ao mesmo tempo cultural e destrutiva. Entre o “saúde!” do brinde e a falta de saúde de quem sofre com o vício, está o abismo das vidas perdidas. Se queremos mudar essa realidade, é hora de enxergar o álcool como o que ele realmente é: um inimigo da saúde pública, cuja vítima não tem idade, mas cujas sequelas são especialmente cruéis para os mais velhos.
Enquanto não nos dermos conta disso, a estatística continuará a encher os copos do Brasil com lágrimas. E, pior, com lágrimas invisíveis.
*Jornalista/Radialista/Filósofo