As pessoas frequentemente trocam suas asas por gaiolas. Não porque lhes falte o desejo de voar, mas porque o medo do vazio, da ausência de certezas, pesa mais do que o chamado da liberdade. Trocam oportunidades por segurança, futuros por zonas de conforto, e amores por silêncios carregados de temor. Tal escolha, ainda que pareça proteger, condena a uma vida de possibilidades não vividas, como um pássaro que vê o céu pela fresta, mas jamais se atreve a cruzá-lo.
Dostoiévski, em sua profunda análise da alma humana, nos alerta para essa tragédia cotidiana: “Sonhamos o voo, mas tememos a altura. Para voar é preciso ter coragem para enfrentar o terror do vazio.” O vazio é a ausência do garantido, o espaço onde as certezas desaparecem, abrindo caminho para a criação e o risco. Porém, é nesse mesmo vazio que reside a liberdade. Quem não teme a altura? É natural hesitar diante do abismo, mas o voo nunca acontecerá sem o primeiro passo. Muitos preferem as correntes da segurança às asas da liberdade. É mais fácil admirar de longe um sonho inalcançável do que enfrentá-lo. Assim, transformamos amores em memórias, oportunidades em arrependimentos e liberdade em prisão.
Quantas vidas são amarradas pela hesitação? Quantos futuros deixaram de ser escritos por aqueles que não deram o primeiro passo? Preferimos o conforto morno da inércia ao frio incerto de tentar. Não nos declaramos à pessoa amada porque tememos a rejeição. E o que fazemos com esse medo? Transformamos o amor em um ideal platônico, um refúgio confortável, mas inalcançável, que, em vez de nos libertar, nos prende ainda mais.
Optamos por permanecer onde estamos porque o desconhecido nos assusta. Na gaiola da rotina, acreditamos estar protegidos, mas estamos apenas escondendo de nós mesmos o potencial de crescer, de nos reinventar. É mais fácil abraçar a ilusão da segurança do que enfrentar o abismo que separa quem somos de quem poderíamos ser.
Dostoiévski acerta ao dizer que “as gaiolas são o lugar onde as certezas moram.” Mas e se tivermos coragem de abandonar essas certezas? Não seria a queda o preço necessário para o voo? É preciso aceitar o risco, o medo e até mesmo a possibilidade do fracasso para que possamos nos encontrar plenamente.
Viver é enfrentar o terror do vazio. É declarar amor sabendo que podemos não ser correspondidos. É deixar o conforto de um lugar familiar para explorar o desconhecido. É sonhar e, mais importante, agir. Só assim podemos trocar as gaiolas por céus abertos, transformando nossos medos em ventos que nos impulsionam para além do horizonte.
*Jornalista/Radialista/Filósofo