As longas filas da pobreza e o auxílio brasil

Wagner Balera*
Publicado em 04/07/2022 às 22:33.

Note bem! Não foi por erro de grafia que a palavra brasil foi escrita em minúsculo. Ainda nestes dias, os jornais noticiam que a fila de famílias à espera do benefício de que carecem desesperadamente atingiu a marca espantosa de 2,8 milhões. Isso mesmo! O benefício é criado, mas não processado.

Lembra as longas filas formadas às portas da Previdência Social, nas quais se vendiam senhas para o segurado conseguir entrar na fila? Só um brasil minúsculo seria capaz de tratar desse modo os desamparados, a quem a Constituição Cidadã concedeu assistência social. Quando será o dia D e a hora H da concessão do benefício? Ou, mais propriamente, em que momento a família receberá a quantia que lhe foi destinada legalmente e que, portanto, não é um favor do governo?

Todos sabemos que o processamento dessas prestações seria extremamente simplificado se o cadastro oficial da comunidade protegida tivesse sido elaborado para valer. São bem conhecidos e identificados os pobres. Receberam – quase 70 milhões de pessoas – o auxílio emergencial. Tudo devidamente cadastrado, sem nenhuma dúvida sobre tal fato. Ocorre que o Cadastro Único não passa de ficção. Não é único, porque se multiplica como cogumelos. Antes, deve haver o CPF; quiçá o Título de Eleitor. E assim por diante. E, do impasse deliberado se chega a essa fila paralisada, na qual os que esperam, desesperam.

Falta dinheiro? Não, conquanto o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza tenha sido brutalmente esvaziado. Falta estrutura? Não, pois os bancos oficiais e a própria Previdência estão acostumados a processar benefícios. A existência da fila retira a máscara de um estado que se quer moderno; que se pretende perfilado com as maiores economias do mundo, que quer ingressar no clube dos grandes, sem fazer a lição de casa.

A só existência da fila retira a máscara da eficiência com que se querem classificar os programas sociais brasileiros. Não é irônico que quem cuida tenha o nome de Ministério da Cidadania? Que cidadania é essa? Ah! Há coisas que funcionam. Ainda que de modo estranhável, assim que alguém é aposentado pelo INSS recebe uma oferta de empréstimo consignado.

Como seria bom se esses pobres pudessem se unir numa fila física de muitos quilômetros e se colocassem em marcha rumo à Cidadania para, de mãos estendidas, reclamarem em alto e bom som os seus direitos constitucionais. É evidente que falta articulação aos programas sociais, a começar pela já indicada e precária configuração dos bancos de dados.

*Professor titular de Direito Previdenciário e de Direitos Humanos na Faculdade de Direito da PUC-SP

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