Marcelo Braga
Escritor
Sinto muito frio no meu novo apartamento. É até estranho dizer isso numa região tão quente, como haviam me contado ser o norte de Minas. Mas ninguém pode me desdizer; basta dormirem ou acordarem em meu lar, para verem que não minto. Grata surpresa foi o aconchego dessa varandinha, onde, neste exato momento, me instalo para escrever essas linhas semanais! Uma brisa gostosa, à qual só falta o mar… E uma tepidez reconfortante.
“Adapta-se a tudo…”, costuma dizer minha mãe. Assim mesmo, com essas reticências ao final. Eu não chego a discordar, mas duvido de mim mesmo quase todos os dias. Ao mesmo tempo em que me fortaleço periodicamente – enormes pontos de interrogação, um embaixo de cada braço (minhas muletas recurvas).
Além dessa friagem inesperada, encontrou-me aqui uma solidão diferente, quase intencional.
É interessante – importante, até – bastar-se. Quando nos despimos dos outros, tudo aflora nesse espelho fosco e levemente rachado: os inúmeros defeitos, as várias limitações, a beleza dos traços, as angustiantes necessidades, os gritos dos excessos, aquilo que herdamos e aquilo de que fomos privados. Chega a ser uma nudez desconcertante! Mas, cá estamos novamente: habituando-nos a esse reflexo profundo e intrínseco.
O que deixei para trás sempre acaba me assaltando, seja na contemplação de um entardecer; seja numa música nostálgica, que brota de alguma fresta; seja num sonho entrecortado de imagens compiladas e, contraditoriamente, desconexas. E o que dizer daqueles olhos que sempre teimei serem verdes? Que abandonei, marejados, e cujo sal avermelha os meus diariamente?
Esses olhos coloridos não deixavam passar sequer uma árvore sem proferir exclamação; identificavam matizes múltiplas em peitos de pássaros; sentiam a temperatura do mar no borbulhar de sua espuma. E sabiam sorrir! De tudo e para tudo que fosse simples.
Se o mundo fosse desses olhos, não haveria vida sem felicidade. E é exatamente disto que sinto mais falta: do mundo simples e radiante que aqueles olhos criavam.
O aprendizado leva um pouco mais de tempo. Se fosse somente como se adaptar… Em quase um ano, não aprendi a sorrir com todo aquele brilho; a deixar para trás o que deve ficar para trás, simplesmente por se chamar “passado”; a abrir o peito e falar com a alma; a fechar os olhos e, suplicante, estender a mão…
Ao menos coerente, agora me fecho e mantenho os olhos voltados para trás, com o semblante dela gravado em minhas retinas. Pela saudade… E sigo experimentando alguns sorrisos de quando em quando, para ver se o espelho me traz alguma coisa dela, mesmo que mais saudade.
Se o mundo fosse meu…
Eu o daria àqueles olhos!
E um mundo de mil árvores surgiria! Árvores de mares, árvores de pássaros, árvores de músicas e entardeceres. E seria muito mais fácil apanhar seus frutos, pois os milhões de sorrisos cobririam o chão.