Dóris Araújo
Membro da Academia Montesclarense de Letras
É manhã de terça- feira, estou sentada à mesa da biblioteca da escola onde trabalho, sobre a mesa, repousa uma pilha de livros para serem restaurados (pequenos reparos). Uma capa se soltando aqui, uma lombada se abrindo acolá; nada que não possa ser resolvido com um pouco de cola e a mesma dose de habilidade. Os outros, os mais danificados, foram separados para serem submetidos a uma avaliação bem mais criteriosa.
Cada livro que passa pelas minhas mãos recebe tratamento personalizado, atenção cuidadosa, pego, viro, reviro, abro, folheio, fecho, apalpo, ausculto. . . Atendimento vip para a grande personalidade: o livro. Sempre.
Entre um atendimento e outro, eis que surge um cliente mais que especial, justamente porque não parecia haver razão real para ele estar ali, definitivamente aquele não precisava ser restaurado, ao contrário, estava era muito inteiro, muito conservado mesmo, apesar do seu ano de publicação, 1978. Livro de capa simples e bonita, branca e verde, as cores oficiais da Academia, o título em marrom: "Antologia da Academia Monstesclarense de Letras", Editora Comunicação. Toquei-o com reverência. Virei, revirei, abri-o com todo carinho, lembrando-me de recorrer logo ao seu índice, o que fiz com certa impaciência. Deslizei meu indicador ao longo de sua página, virei a folha e, para meu encantamento, lá estava ele na página 237.
Olyntho da Silveira nasceu aos 25-08-1909, em Brejo das Almas, atualmente Francisco Sá. Filho de Jacinto Alves da Silveira e Maria Luísa de Araújo Silveira. Foi, entre tantas outras coisas, fazendeiro, político, comerciante. Mas o mais importante é que foi um Grande Escritor, um Grande Poeta, um dos nossos melhores sonetistas, segundo o confrade Wanderlino Arruda, um Grande Homem, enfim.
A seguir, com o coração desgovernado, leio, de sua autoria, A GRATIDÃO DUM MATEIRO, dedicada à Yvonne, sua esposa. A emoção cavalga sem rédeas no meu peito. Nessa crônica, o escritor nos narra, de maneira belíssima, a história de um legítimo veado mateiro que tornara seu animal de estimação, ou ainda mais: um amigo grato pelo carinho e atenção recebidos.
A prosa de Olyntho é admirável, escorreita, enxuta, cristalina , tem gosto de ternura, cheiro de poesia.
Prossigo viajando pelo seu universo mágico, deparo-me com a SEREIA DO POÇO-AZUL, que me enfeitiça. Agora, a exemplo do Faustino, trago uma sereia dentro dos olhos.
Viro a página, o poema LINGUAGEM desperta-me a atenção, nele ,o Poeta diz à sua amada:
Vem/image/image.jpg?f=3x2&w=300&q=0.3"Yvonne minha querida, hei de te amar para sempre."
Sim, Mestra, Amiga e Confreira, Yvonne Silveira, o seu Eleito, o Poeta Olyntho Alves da Silveira, estará sempre gritando o seu nome, pois somente o seu nome - como ele próprio afirmou em seus versos - sua boca sabe dizer.
Hoje, fisicamente, ele não está mais aqui entre nós, tornou-se um encantado, metamorfoseou-se, luarizou-se, transcendeu, virou estrela. No entanto, seu rastro luminoso permanecerá indelével: suas obras, seus livros, seus versos, sua poesia . . . Seu pensamento, tal qual chuva de março, incidirá suave sobre nós, nos refrescando o corpo e a alma, nos fazendo reconhecer que a essência sobrevive ao corpo físico, que, além de matéria, somos luz.
O Poeta brejeiro, aos 99 anos, 04 meses e 27 dias de vida, despiu-se da matéria, tornou-se imponderável aos nossos olhos físicos, porém, o nosso coração o sentirá sempre presente em todo e qualquer lugar, onde quer que haja um sopro de poesia.