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Segunda-Feira,12 de Maio

Antônio Olinto, o dono da história

Jornal O Norte
Publicado em 15/09/2009 às 09:54.Atualizado em 15/11/2021 às 07:10.

Petrônio Souza Gonçalves


Jornalista e escritor


 


Aos poucos, vamos tendo a nítida sensação de que nossa vida vai-se acabando, como cacos de vidas e histórias que vão ficando à beira do caminho, perdidas nas páginas amarelas da memória. Silenciosamente, o tempo vai nos levando a nossa melhor parte, nos deixando mais pobres em nós mesmos, mas como uma certeza inconfundível do sonoro gosto da aurora.



Assim, quando a noite pintava a manhã de sábado, dia 12 de setembro, o tempo nos levou Antônio Olinto, o mineiro que no Rio de Janeiro aprendeu a ser imortal, edificando no mundo das letras um cabedal de conhecimentos e glórias, ganhado altar eterno na Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira nº 8.



Nascido em Ubá em 1919, estudou no Seminário Católico de Campos, no Rio, aprimorou-se no Seminário Maior em Belo Horizonte, depois no Seminário Maior de São Paulo, até se tornar um cidadão do mundo, chegando a ser adido cultural na Nigéria e em Londres. À época de sua nomeação para a Nigéria, sendo indicado pelo amigo Tancredo Neves, dentro do governo parlamentar de 1962, a esposa Zora foi ao embate com o primeiro-ministro. – Presidente, o senhor quer mandar o meu marido para um país em que a poligamia é cultural! O velho político, como quem bem conhece a alma humana, respondeu: - Zora, querida, em qual país no mundo ela não é?



Na África, entre muitas descobertas, Olinto se encontrou, sendo batizado com o nome de Adondá, que, em iorubá, quer dizer: o dono dos cavalos. Ah, a sua vida foi uma devoção diária, constante e renovada ao povo e à cultura africana, nos deixando suas melhoras obras, a magnífica trilogia “A casa da água”, “Trono de vidro” e “O rei de Keto”.



O seu apartamento, na rua Duvivier, em Copacabana, no Rio, era uma verdadeira embaixada africana, com mascaras (gueledés), pinturas, esculturas, livros, por todos os lados, por todos os cantos. Em seu quarto, as surpreendentes figuras africanas como altar, ao lado da cama, no alto do guarda-roupa, nas paredes. Era de uma beleza impar, comovente. Lá, com um orgulho de quem mostra as melhores obras, ele ia apontando uma a uma e dizendo a história, o autor, o local de origem. Eu bebendo o seu fascínio por aquelas imagens, por aquelas figuras que eram, verdadeiramente, parte dele. Como atestou o nigeriano Wole Soyanka, prêmio Nobel de Literatura, “ele é um dos nossos”, era!



Dos seus milhares de livros, tomando as salas e corredores do apartamento, me explicava: – Este prédio foi construído por ingleses, então, os quartos dos serviçais ficam lá em cima, cada apartamento tem um quarto lá, e o quarto do nosso apartamento está todo tomado por livros... A sua idéia era doar todo aquele acervo garimpado ao longo dos anos ao Instituto Cultural Antonio Olinto.



Em Belo Horizonte, do alto dos seus 89 anos, já me falava das comemorações dos seus 90 anos, dizendo sonhos, idéias, projetos, o futuro por se fazer. Era de uma juventude rejuvenescedora. Em Ouro Preto, depois de subir e descer ladeiras com dificuldade, me disse: - Ah, temos que voltar aqui com mais tempo! Sua secretaria, Beth Almeida, a quem ele chamava de filha, sentenciou: - A juventude dele é eterna! Entendi tudo. Ele sempre fazendo planos, imaginando ações, fatos.



Não foi à toa que no carnaval deste ano, desfilou como um menino pela Marquês de Sapucaí, nos carros alegóricos da Mocidade Independente de Padre Miguel. Até que adoeceu. Ficou em coma, se recuperou, e foi para casa no último dia 3. De volta ao velho lar, para todas as coisas que escolheu para ficar ao seu lado, e com a mesma leveza com que viveu, partiu, na certa, ao encontro de Zora, que sempre amou, e que seu nome quer dizer aurora.



Para as comemorações de seus 90 anos, a Academia iria lançar uma revista especial sobre sua vida e obra. Entre seus amigos que escreveriam sobre ele, mandei um poema, acreditando nas coisas que ele vivia imensamente: “Antônio Olinto/ Nos deu o Olimpo/ Traduzido em palavras e sentimentos./ Fez de sua vida,/ Uma longa e proveitosa jornada./ Ao lado de Zora,/ Colheu primaveras e auroras,/ Montados no lombo do cavalo do tempo,/ Enfeitiçando o agora.../ Guardou tudo dentro do ubá das horas, E veio navegando por entre as eras,/ Bem depois das primaveras./ Sentinela.../ É um africano,/ Que por detrás de seu gueledeé de brasileiro,/ Conquistou o mundo inteiro...”.



Agora estou aqui, mirando o infinito e lendo as palavras que ele um dia pintou nas paredes de nossos corações e de nossa história: “Só a palavra não morre. Vai além de tudo e cria mundos, capazes de sustentar o nada que nos habita”, que assim seja!

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