Felippe Prates
“O bêbado com chapéu coco
Que sonha com a volta do irmão do Henfil
Fazia irreverências mil
Com tanta gente que partiu
Pra noite do Brasil, meu Brasil
Num rabo de foguete...”
O Brasil se emocionou com “O bêbado e a equilibrista”, de João Bosco e Aldir Blanc, que se tornou o hino da luta pela anistia, que completou 30 anos no último ano. A ditadura liquidou com as liberdades políticas e baixou uma sombra de terror, prisões, torturas, mortes, desaparec imentos e obrigou uma multidão de brasileiros a deixar o Brasil “num rabo de foguete”.
A grande luta dos anos 70 foi a da anistia ampla, geral, irrestrita. Cresceu até tornar-se um irresistível movimento de massas. A cultura liderou a luta contra a censura e pela liberdade. Mobilizou artistas, intelectuais, estudantes, jornalistas, religiosos e políticos que levaram o regime à distensão “lenta, gradual e segura” nos tempos de Geisel e à anistia sob Figueiredo. Uma vitória parcial, uma etapa de um processo que removeu os últimos obstáculos para a volta da democracia resultando na campanha das “diretas já”, dos anos 80.
O povo brasileiro lutou politicamente com resistência e resiliência próprias dos conscientes e senhores de seu destino. Desde então vivemos momentos de exaltação, frustração e mobilizações como a dos cara-pintadas e a que resultou na eleição de Lula. Ao longo desse processo a democracia avançou e se consolidou, apesar da imagem negativa de muitos políticos corruptos e da sensação de impunidade gerada por sucessivos escândalos. A corrupção não é filha da democracia. Pelo contrário, expõe-se à luz e ao julgamento do povo que não está apático, como muitos apregoam, mas vigilante, consciente, até agressivo, como vimos há pouco em Brasília, disposto a lutar contra a bandalheira pelo desforço físico.
O povo não está adormecido, ele age e se organiza e a cultura tem um papel central nesse procedimento. É preciso documentar o passado, impedir que os jovens que não viveram o arbítrio ignorem a História para não repetí-la, mesmo como farsa. É a cultura que consolida a educação do povo e forma cidadãos.
A luta pela cultura é essencial à democracia. O papel e a responsabilidade dos intelectuais não podem ser adiados nem minorados. A missão primordial dos militantes da imprensa é trabalhar para que a cultura esteja ao alcance de todos, sem exclusões de qualquer natureza.
As lutas pela anistia e contra a censura devem nos guiar na direção de um país onde a expressão “do povo, pelo povo e para o povo” não seja apenas uma frase repetitiva e morna, mas a pedra angular de uma república justa, forte, livre e próspera, uma verdadeira (e culta) “mãe gentil”.
Fonte: Entrevista com Jandira Feghali Secretária Municipal de Cultura do Rio de Janeiro