Ana, por ela mesma... A cultura como agente de transformação da maturidade

Jornal O Norte
Publicado em 06/01/2006 às 12:51.Atualizado em 15/11/2021 às 08:27.

É como se um filme passasse pela sua mente.



Ribeirão de Areia. O lugarejo é maravilhoso! Serras, colinas, campos, cerrados, muito verde, roças de arroz, milho, canas, córregos, rios, areias. O clima excelente; sempre frio.



Mas o progresso dificilmente chegaria ali. Lá reina a pobreza, uma miséria muito grande, uma gente que parou no tempo e ali o tempo parou há muitos anos.



Se hoje ainda é tudo assim naquele lugarejo, imagine 30, 40, 50 anos atrás.





Mas a sua meta era estudar, ser alguém. SER UMA PROFESSORA/image/image.jpg?f=3x2&w=300&q=0.3"center">A responsabilidade do Homem é imensa


porque ele se torna o que decide ser



Dormia tarde, altas horas tinha de levantar para cuidar da criança quando chorava.  Bem cedinho levantava e fazia todas as tarefas que uma casa exige, além de tomar conta da criança. Sempre foi uma pessoa trabalhadora e não importava de trabalhar tanto, apenas recebendo em troca um lugar para ficar.



Depois de um tempo, passou a morar em um pensionato, onde pode viver em paz, trabalhando e ajudando na casa, estudando mais assiduamente e realizando os seus sonhos de menina pobre do interior.



Conseguiu um emprego numa fábrica de lenços. Primeiro emprego - carteira de menor assinada, já era uma vitória.



Sempre trabalhando de dia e estudando a noite, conseguiu fazer o primário. Deixou o ginásio pela metade e fez um curso de secretariado em um ano e meio. Assim pode ir melhorando também no trabalho.



Fazia cursos rápidos de corte e costura, bordados, culinária, português, datilografia, secretariado, redação e até de taquigrafia.  Não perdia tempo. Português ela aprendeu lendo romances.



Foi evoluindo também nos empregos. Já trabalhava em escritórios, procurando sempre os que ofereciam melhores condições. Passava por piores momentos também - moça nova, até bonita e ingênua, recebia cantadas de toda parte. Mas com toda a sua ingenuidade, Deus estava sempre com ela e jamais se deixou ceder às tentações.



Namorados, amores, (teria de ser outra história à parte), tinha muitos pretendentes, mas achava um desperdício empatar o tempo com isto. Só queria saber de estudar. Era uma obsessão. Foi uma vida de sacrifícios. Mas venceu. 



Após seis anos em São Paulo é que teve condições de voltar à sua terra. Visitando a mãe aqui na região, levou para São Paulo mais dois irmãos, que moram lá até hoje. Aí seu sonho passou a ser morar em sua terra natal. Ficar perto de sua mãe - tirá-la lá da roça. Dar-lhe um pouco do conforto que havia conseguido, apesar dela estar casada novamente.



E foi numa dessas passagens de férias, que resolveu tentar.



Fez teste em cinco lugares. Foi chamada nos cinco. Mas queria trabalhar numa firma grande para ter chance de continuar seus estudos e a única que oferecia uma vaga de secretária era a Matsulfur (uma cimenteira). Procurou ajuda aqui e ali, até que conseguiu. Fez o teste, saiu muito bem, porém havia um problema: naquela época (1969) as firmas, os bancos e outros por aqui só admitiam moças muito bonitas, candidatas à miss mesmo. E só lá nesta cimenteira tinha uma meia dúzia delas disputando esta vaga.



Quem era ela? Não era horrorosa, mas não tinha a beleza que as outras candidatas tinham e que as empresas exigiam. Mas possuía o que nenhuma tinha: qualificação. Era exímia datilógrafa. Tanto é que no dia que fez o teste deixou todos no escritório de boca aberta, e encantados com a sua rapidez. Ela era insistente, não saía de lá. Mostrou que sabia, precisava e queria trabalhar.



O tabu foi quebrado. Foi aceita no quadro da empresa, ganhando mais do que ganhava em São Paulo.



Vitória!



Estável, não descuidou dos estudos. Terminou o ginásio. Fez magistério (já era o que sempre queria ser: professora) e vários outros cursinhos profissionalizantes. Sempre em prol da profissão que exercia: secretária de diretoria.



Morando em pensão, procurou trazer sua mãe para cá, mas quando ela pode vir, já veio doente. Foi acabar tratamento em São Paulo e lá morreu.



Não desanimou.  O que fez para a mãe cedeu para um irmão casado, cheio de filhos, que morava com dificuldades na roça. Passou tudo para ele e o ajuda até hoje.



Com a morte da mãe, teve de cuidar de mais dois irmãos pequenos.



Tentou o vestibular para Direito. Passou. Formou em 1980. Fez o curso de inglês durante cinco anos. Sempre intercalado com inúmeros outros treinamentos que a empresa oferecia. Não perdia um seminário da sua categoria. A computação chegou. Investiu. Fez vários treinamentos.



Na terceira pessoa, com o pseudônimo de Vitoriana,


Ana conta a sua própria história,


revelando ser a pessoa que todos já sabiam


quem era: uma grande mulher...



Participava de tudo na empresa. Era até atleta.



Foi diretora da ADCM e do SINMENTO (Associação Desportiva e Sindicato).



Idealizou, criou, fundou e foi presidente durante quatro mandatos da ASSENORTE (Associação das Secretárias). Ali se reunia com outras secretárias para palestras e para uma conscientização melhor da classe.



Com sua experiência procurava sempre mostrar a importância de um trabalho de secretária. Acabou com aquele modismo que secretária era para sentar no colo do chefe - quando não era considerada um mero objeto de enfeite de sala.



E foi assim, que sempre trabalhou. Gostava tanto do seu trabalho que cada dia parecia ser o primeiro. Nunca teve preguiça ou desânimo. Ia sempre feliz, pois gostava do que fazia. E assim foram 26 anos de trabalho só nesta cimenteira. Mais quatro em São Paulo. Já era tempo de aposentar.



Em 1985 casou.  Em 87 teve uma filha (Carolina). Construiu assim a sua vida.



Em 1994 aposentou - 30 anos de serviços prestados.



Montou um pequeno escritório ao lado de sua casa, onde faz serviços de informática, computação, personalização. Sai às vezes para prestar um serviço em algum lugar, organização de arquivos, de seminários, congressos, encontros ou mesmo substituir uma secretária etc...



Foi chamada para fazer parte do conselho administrativo do Colégio Integral. Aceitou.



Não satisfeita, achando que estava muito parada, pensou em advogar, só que a esta altura não lembrava de mais nada. Nunca havia advogado. Então conseguiu um estágio no SAJ (Serviço de Assistência Judiciária).



No lugarejo Ribeirão de Areia, todos a têm como uma autoridade. Também, ela nunca os abandonou. Vai sempre que pode. Leva ajuda para toda a comunidade carente, desde roupas e sapatos até tambores para um depósito de água. Leva esperança.



Procura sempre ajudar as pessoas que vivem ali, levando um garoto para fazer um tratamento, ajudando uma família, levando uma garota para esta estudar, arrumando-lhe um lugar e trabalho remunerado.



Quem seria ela hoje, se não tivesse ousado, lutado tanto para sair daquele lugarejo?



A educação adquirida mudou sua trajetória. Hoje, além de aposentada, é formada em Direito, advoga como estagiária no SAJ, é Rotariana, Elista, prestadora de serviços na área de informática, tem uma filha e uma vida tranqüila. Uma pessoa que vive em função de outros. Que está sempre à procura de algo, sem querer nunca cair na rotina. Sempre à procura de novos conhecimentos e na expectativa de que algo bom vai acontecer a qualquer momento. Nunca perde a esperança e está sempre participando de tudo o que aparece. Queria ter mais para poder ajudar mais!



Ela é antes de tudo uma heroína. Uma pessoa forte que está sempre pronta a ajudar, que leva alegria às crianças daquele lugarejo de onde saiu e procura melhorar as condições daqueles que ainda vivem lá. Ela é muito importante! Porque a educação não só transformou a sua vida, mas também a vida de muitas outras pessoas.

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