Amor pra cachorro

Jornal O Norte
Publicado em 06/01/2006 às 12:27.Atualizado em 15/11/2021 às 08:27.

Eduardo Brasil *



O meu amigo Raphael Reys cumprimenta e tenta uma conversa. A minha atenção... Inútil, colega, sinto, porque eu a dou, neste momento, inteiramente ao computador. É besteira, eu sei, afinal amigo é pra essas coisas, mas não consigo me conter - não me permito a uma pausa sequer, até por educação, por você, Rafa, tomado pela construção das palavras, letra por letra, até chegar à conclusão final de um texto que possa fechar a página de política, pecuária, esportes, seja lá a que for.



Numa redação é sempre assim. Os amigos das boas conversas ficam para depois. E não se sabe exatamente quando é este depois, dado ao avançado das horas em que nos ocorrem as debandadas das redações. No silêncio das madrugadas. Rompido apenas pelos ladrados dos cães.



- Lembrei do companheiro - diz ele. - O pessoal lá em casa está na mesma situação que você enfrentou. Tivemos de mandar sacrificar o bichinho também. Está um chororó por todos os quartos, salas...



- É mesmo? Caramba! É dose, eu sei - respondo, surpreendido, lamentoso, esquecendo por um tempo a tela branca marcada pelos milhares de caracteres.



Só por um tempo.



Logo retorno ao teclado, enquanto Rafa se afasta. Ele não fica sentido com o meu... Digamos, alheamento.



De volta ao teclado.



Mas a construção das palavras agora se mistura com a lembrança evocada pelo Rafa.



- Jack!



Jack viveu exatos quatro anos, dois meses e onze dias. Jack era o meu cachorro, vindo ao mundo no dia do cão, num dia quatro de outubro, feliz, um dia de São Francisco de Assis.



Jack morreu no dia 15 de dezembro de 2005. Dia de muita chuva e de muita tristeza no meu coração.



Aprendi a amar Jack na precocidade de sua vida. Era como um garoto. Era um amicão. Perdê-lo foi uma punhalada. A minha dor é ainda mais imensa que a de Soninha, Daniel, Catarina, Tetê e Ildemir, que a de todos que aprenderam a tê-lo como parte da família porque...



Coube a mim sentenciá-lo.



Encaminhá-lo à eutanásia.



Levá-lo para distante de nós.



Autorizar que lhe aplicassem uma injeção letal.



Jack estava condenado a sofrer, a morrer lentamente acometido de uma virose fatal. Ele não merecia. Não Jack, o meu cão.





Hoje, janeiro de 2006, de manhã, lembrei muito dele. Dos seus olhos, melancólicos como melancólico é todo olho de cachorro, umedecidos, brilhando - e os meus como se naufragassem em lágrimas. Lembrei da sua agilidade. Da sua dignidade (ele era digno de ser o melhor amigo). Lembrei de Jack a anunciar minha chegada assim que lhe abordasse qualquer ruído que sabia ser meu. Jack identificava meus passos, por mais silenciosos que fossem, o ruído do carro, ainda que eu desligasse o motor antes de estacionar junto ao portão, pelo qual, através de uma fresta, revelava sua atenção. Era quando eu via parte de seu focinho.



- Olá, menino/image/image.jpg?f=3x2&w=300&q=0.3"right">* Editor adjunto de O Norte


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