Raphael Reys
Ou poderíamos chamar tirar torrado de velho. Transcorria o pacato ano de 1997, na internacional terra de Figueira, também conhecida como Montes Claros, que só nós mesmos é que agüentamos. É de nossa exclusividade a aura rurícola, a bobeira política, a boçalidade campesina, o pequi vitaminado.
Nos somos brega, da roça, mas somos chique!
Nós saímos do mato, mas o mato não sai de nós!
Por aqui, para quem chegou agora e não sabe, acontece de tudo, de tudo mesmo, no mínimo uma versão curraleira dos fatos semelhantes aos acontecidos em qualquer outra parte do mundo.
- Como iam para a mesma banda, Amiguinho mandou o carona entrar e ocupar o banco de trás
Numa tarde quente, Dallas Amiguinho, como era conhecido o homem de sociedade e de negócios do Norte de Minas, um bon vivant dotado de uma aura alegre e contagiante, própria dele, que animava a todos; aprontou uma viagem comercial até Grão Mogol.
Com ele, um companheiro de estrada. Na saída da cidade, pararam o veículo, atendendo ao aceno de um velhinho carregado de trouxas, e que pedia carona. Como iam para a mesma banda, Amiguinho mandou o carona entrar e ocupar o banco de trás.
Mal sabia ele que o ancião nada mais era do que Saluzinho, o lendário atirador de elite, guerrilheiro norte mineiro, que já enfrentar um batalhão de polícia e passara não sei quantos meses escondido numa maloca, comendo apenas farofa de mocó e atirando sem parar. E que, já tocado pela idade, estava indo visitar parentes em um povoado próximo. Como o dito popular em Gurupi-go, carregavam uma onça molhada no banco traseiro.
Ao entrar no veículo, Amiguinho, com aquele jeito brincalhão que lhe era próprio, tirou um torrado no velho. Cheirando os dedos e dando em seguida alguns espirros. Pela viagem afora, outras tiradas de torrado e espirros dele e do companheiro de banco, que recebia os dedos do Amiguinho para cheirar, e espirrar.
Era um festival de pura algazarra!
- ... encarou centenas de soldados armados até os dentes e com bombas de gás, sem arredar pé da caverna
Numa parada em uma venda de beira de estrada, desceram para lanchar. Amiguinho pediu: Baneston e Xis Eg. No que o dono da venda respondeu:
- Só tem café, groselha, biscoito empacotado e bolacha.
O proprietário da casa, vendo então o valente Saluzinho, saiu solícito e o recebeu, relembrando o dia em que ele encarou centenas de soldados armados até os dentes e com bombas de gás, sem arredar pé da caverna. Encaminhou-o para dentro do estabelecimento, dando-lhe total assistência. Só então Amiguinho notou a mancada que cometera ao tirar torrado nos baixos daquele velhote valente.
Ao prepararem para prosseguir a viagem, e ao adentrar ao veículo, o carona Saluzinho, Amiguinho - já manso e solícito - lhe falou:
- Seu Salu, tem uma garrafinha de café só do senhor aqui no canto do banco, um pacote de biscoito, bolacha, fumo de rolo, papel, fósforo e cigarro. Acaso dê vontade, me avise para parar onde o senhor quiser...
A notícia dos fatos chegou a Montes Claros antes do retorno dos queridos participantes do incidente cômico. Já de volta à cidade, Amiguinho tomava uma cerveja gelada em um bar do Centro quando um conhecido lhe abordou dizendo:
- Amiguinho, como é que pode? Um velhinho daquele lhe meter medo! Você, um homem de quase dois metros de altura...
No que o nosso saudoso e conhecido conterrâneo da Bahia (sepultado ontem, sexta-feira), respondeu:
- Medo não, amiguinho! Respeito!