Amelinha

Jornal O Norte
Publicado em 21/07/2010 às 10:15.Atualizado em 15/11/2021 às 06:33.

Felippe Prates



Como uma flor, Amelinha nasceu, encantou e feneceu.



-  Você quer ser minha namorada?



-  Posso, não!  Pai dana, respondeu ela, enquanto brincávamos na enxurrada que descia pela rua de Baixo, hoje  Dr.Veloso.



Este diálogo aconteceu quando numa viagem a Montes Claros  –  ela aos 5 e nós com 7 anos de idade  –  conhecemos a prima Amelinha.  Não houve o namoro, mas nasceu aí uma sólida amizade que durou para sempre, nunca nos faltou e dela ambos nos valemos em diversos momentos das nossas vidas.  Coisa de irmãos queridos.



Amélia Prates Barbosa Veloso Souto, um nome imponente, de princesa.  Vaidosa, como  toda mulher bonita de vez em quando, à revelia da ótima e indiscreta memória que Deus nos deu, fazia descontos na idade.  Certa vez, exagerou, ficou muitos anos “mais moça” e nos queixamos a Dudu, que nos aconselhou a falar-lhe:



- Amelinha de Deus!  Com esse último abatimento você passou a nascer dois anos depois da morte de seu pai, Juca Barbosa, comprometendo Olga, sua mãe, uma das mulheres mais sérias que já nasceram!  Dá para remoçar um pouco menos?...



Desolados, filhos e netos choram a passagem dessa maravilhosa criatura, absolutamente incomum.  Informados do óbito por Danuza, através dela e de Olga Maria levamos aos demais irmãos não um abraço de pêsames a mais, mas sim o testemunho pessoal revelado na nossa materna orfandade:  as mães nunca morrem, pois são um pedaço da gente, parte de nós mesmos.  Na verdade, a ausência é apenas física, momentânea, aparente, pois continuam ligadas a nós, sempre ao nosso lado, orientando-nos, nos amparando e, em sonhos, até puxando nossa orelha quando necessário...  Sentimos claramente a presença de Mamãe pertinho de nós, a ponto de identificarmos o seu perfume.  E com Amelinha, em relação aos seus, não será diferente.



Casada com Zé Souto, outra flor, o queridíssimo e inesquecível amigo, morando na Praça da Matriz, Amelinha todas as noites costumava esperar pelo marido em frente, onde um dia moraram Vovó Amélia e Vovô Camilo Prates, casa de sua mãe Olga, pessoa extraordinária, tão querida, que nos favoreceu com sua amizade por três gerações:  ao avô, o Major Prates, Papai e nós.  Pois bem:  tinha até platéia para assistir todas as noites a partida de Amelinha e seu Príncipe rumo à sua casa, do lado de lá da Praça e mais parecia que estavam indo para a guerra.  Depois de demoradíssimos abraços e beijos de despedida, lá iam os dois e já no meio do caminho, na altura do coreto, ao se virar para um último adeus (!) Amelinha se deparava  com a mãe ainda no alpendre, lamentando-se, aos prantos:



- Minha filhinha querida!  Meu amor!  Eu não agüento viver sem você!...



Amelinha voltava em cima do rastro, trazendo Zé pela mão.  Acontecia nova siciliana, lacrimosa e exuberante “sessão do adeus”, quando Olga costumava fincar os olhos em Zé Souto, cobrando e reclamando:



- O que que você tinha que casar com minha filha, hein , siô?!



Impossível resistir!



Um belo dia, ao chegar em casa para almoçar, Zé Souto encontrou tudo trancado e num bilhete afixado em uma das janelas, lia-se:  “Nêgo: mudamos para o outro lado da praça.  Beijos, da sua Nêga”.  E enquanto Olga Prates viveu morou em sua casa ao lado de todas as filhas, genros e netos.  Lá nasceram os filhos do casal Amelinha e Zé Souto e como a produção era intensa, todo anos nascia mais um, Olga assustada recomendou à filha:



- Mão nisso, Amélia!  Mão nisso!



Viúva, com alguns dos seis filhos ainda pequenos, Amelinha, grande guerreira, aliviado o luto e com a fibra própria dos Prates, foi à luta e brilhou!  Acabou de criar todos eles, encaminhou-os na vida, tornando-os gente da melhor qualidade, sem exceção!  Tinha paixão pelos filhos e, por tanta dedicação e bondade,  considerava as filhas suas “mães”.  Notável educadora, seu desempenho por muitos anos como diretora do Grupo Escolar Gonçalves Chaves foi  simplesmente inigualável.  Cronista e poeta de primeira água e refinado bom gosto, com justiça foi eleita para a Academia Montesclarense de Letras e sua obra literária a todos encanta.  Igualmente com destaque, se dedicou a devotado trabalho em inúmeras associações de caridade.



Amelinha, com sua grata presença, inteligente e colorida, nos fará muita falta.



Quando Deus gosta de uma pessoas é sabido que Ele cuida para que seja breve e sem traumas o momento final.  Assim se deu com a nossa querida Amelinha: ainda sob os eflúvios e a alegria pela formatura da neta Fernanda em Medicina, algumas horas depois saiu de cena, quase como uma lâmpada que se apaga.  Mas, nós captamos o “até breve” deixado por ela.  Consagrada anfitriã, antecipou-se a todos nós, as pessoas a quem ama e na nova casa do outro lado do rio, junto do sempre apaixonadíssimo Zé Souto, nos aguarda.  Simpática como de hábito e com aquele sorriso maroto, tão seu, chegada a nossa hora nos receberá com o carinho de sempre e em definitivo.  A nós, eterna gozadora, certamente então dirá:



-  Êta Felippão, caprichou no meu “necrológio”, hein?  Você não fica velho não, siô?!

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