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Sexta-Feira,18 de Outubro

Aline Mendonça: o anjo metafísico - por Raphael Reys

Jornal O Norte
11/05/2007 às 12:29.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:04

Raphael Reys

Magra, empinada, nariz proeminente, atenção concentrada, olhar atento, voz de trovão, vontade de ferro, e uma energia inesgotável. Falo do saudoso anjo lírico Aline Mendonça. Um anjo torto com uma voz de contestação às opressões que a vida nos apresenta.

O Instituto Norte Mineiro localizado onde hoje é o Automóvel Clube, em l955 cursávamos o primário. Uns montes claros românticos com professor Márcio, o dândi, com seu paletó de veludo verde tentava conter o ânimo de Aline que, afrontada por algum menino, mandava um teco na hora.

Sua missa era de corpo presente, não despachava para o bispo. Cresceu e foi para as grandes metrópoles levar o seu protesto, a sua voz e a sua arte, tendo que editar o seu primeiro LP.

Das homéricas serenatas que fizemos varando as noites deste sertão e, com a sua voz violando os nossos corações e rompendo o silêncio das madrugadas, tudo sob os acordes do violão de Nenzão Maurício.

Começávamos na Praça Coronel Ribeiro, com Ornellas solando o Prelúdio de Bach; o ensaio para o vôo. Daí e pela noite a cantar no prédio em construção da Escola Normal. As paredes tremiam como uma caixa de ressonância sob o efeito das nossas vozes, tudo regado a Hi Fi.

Às quatro da matina chegavam quando Deus era servido, e comíamos o pão saído do forno da padaria Globo lambuzado de manteiga Alvorada, e sorvíamos o fumegante café. Dormíamos quando bem aprazia o sono de justos pecadores, sob a tenda da amplidão na Praça da Matriz, sobre e sob jornais e a companhia dos parceiros da noite, do canto e do vagar em busca da sofreguidão.

Desta turma saíram artistas: o maestro Armênio Graça, os violinistas Nenzão Maurício e Ornellas, o cantor e ator Tino Gomes, ainda adolescente, e tantos outros, hoje avós.

- Fecho os olhos e me vejo no trio de vozes com Tinin, e ela cantando Conversa de Botequim e sorvendo gim-tônica. Walmor de Paula fazendo com as mãos e a boca as vezes do trombone, e Julião Prates marcando a percussão com os dedos na mesa do bar. Tempos que não voltam mais...

Tecendo, assim como Penélope, o romantismo às avessas!

Na sua ida para o mundo superior estivesse entre nós o poeta maior Vinícius decerto teria dito: Meus amigos, se durante o meu recesso virem por acaso passar a Aline. Peçam silêncio geral! Depois... Apontem para o infinito. Ela deve ir como uma sonâmbula envolta numa aura...

No infinito, onde agora se encontra junto ao anjo João Chaves, e a cantarem suavemente como uma dádiva:

Amo-te muito, como as flores amam/O frio orvalho que o infinito chora./Amo-te como o sabiá da praia./ Ama a sangüínea e deslumbrante aurora./Oh, não te esqueças que te amo assim./Oh. não te esqueças nunca mais de mim./Amo-te muito como a onda à praia/E a praia à onda que a vem beijar.../Amo-te tanto como a branca pérola/Ama as entranhas do infinito mar./Amo-te muito, como a brisa aos campos/E o bardo à lua derramando luz./Amo-te tanto quanto amo o gozo/E Cristo amou ardentemente a cruz...

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